Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Não passou nenhum carro de som anunciando o seu falecimento. A notícia foi chegando aos poucos, pelos celulares, pelas redes sociais, pelas conversas ao pé do ouvido. “O Marcão descansou”, avisou-me o prefeito da cidade através de um telefonema, tarde da noite. Foram setenta e três dias de hospital. Luta constante pela vida. Mas seu corpo não suportou tantas cirurgias, tantas intercorrências e, no dia em que comemorávamos “Todos os Santos”, ele faleceu.
Nesse momento em que a notícia corria amiúde pela cidade, uma chuva forte caía, lavando a terra seca de tantos meses sem água, limpando os telhados, dando de beber aos animais da mata, saciando os passarinhos, cobrindo novamente de verde os nossos campos. Parece até que a tristeza da notícia se misturava com a esperança que a chuva trazia.
Foram muitos meses de seca nunca vista igual pela maioria das pessoas. O fogo, aproveitando que tudo estava ressequido, fez um estrago por onde passou. A paisagem sempre vistosa e vibrante deu lugar a um amarelo desmaiado, misturado com os rastros deixados pelas queimadas. Mas, agora, com a chuva que está caindo, não há mais necessidade de espera. A alegria voltou com cada gota de água que a terra ávida bebia.
O dia de Finados amanheceu molhado. Já estava comunicado: “Se o dia acordasse chovendo, a missa não seria no cemitério, mas sim na igreja”. E assim aconteceu. Os fiéis foram chegando aos poucos com seus guarda-chuvas, alguns correndo para não se molharem tanto, e a igreja ficou cheia de pessoas rezando pelos seus falecidos. No velório, junto ao corpo do nosso amigo, a família chorava já sentindo a dor da saudade.
Na verdade, a fé nos leva a acreditar na vida após essa vida. Sabemos que a morte, como o fim de tudo, não existe. Passamos dessa vida para a vida eterna, desse mundo para o Céu. Quando trazemos essa certeza em nossos corações, a morte de alguém próximo fica mais amena. O que nos resta é a dor da ausência. É muito doloroso saber que não o veremos mais, não escutaremos a sua voz, não receberemos o seu abraço.
A dor é maior quando percebemos que abraçamos de menos, deixamos de falar o quanto amamos, não perdoamos os erros cometidos e, agora, não há mais tempo. Essas atitudes, nessa hora, acabam gerando um vazio na alma, uma sensação de que perdemos tempo demais com nossas teimosias.
Em meio a muitas coroas de flores, iniciamos a celebração das exéquias. Rezamos, pedindo a Deus o descanso eterno do nosso irmão. Como sabedores da sua alegria e da sua vontade de viver, enaltecemos os seus feitos e a falta que irá fazer para todos nós.
Foi um homem que soube reinventar a própria vida. Mesmo tendo uma infância cheia de desafios, tornou-se um bom esposo e um bom pai, um bom amigo. Era também trabalhador. Bom comunicador, de voz forte e empolgante, animava eventos na cidade. Vigilante noturno, por muitos anos foi responsável pela segurança das famílias. Durante o dia, com seu carro, passava comunicando as promoções do supermercado, os eventos que iram acontecer na cidade, e, quando morria alguém, era ele que anunciava o nome e o horário do sepultamento. Por isso mesmo, no dia do seu falecimento, não houve ninguém que anunciasse essa triste notícia, pois essa era a missão dele.
Viver é uma arte. É preciso fazer valer a pena cada dia, encontrar o sentido de cada momento, ser feliz e fazer os outros felizes em cada instante. Quando a nossa fé em Cristo ilumina a nossa visão da vida, tudo se torna melhor. Devemos tomar muito cuidado quando, em nome de Deus, tornamo-nos intransigentes demais, agressivos, ríspidos.
A fé em Jesus deve nos cristificar, isto é, fazer com que tenhamos as mesmas atitudes do Mestre. Isso deixa a vida mais leve, mais responsável e muito mais interessante. É bom sermos lembrados pelo bem que fizemos e não pelos bens que possuímos.
Assim como a chuva chegou, terminando com a secura da terra, a vida eterna chegou para o nosso amigo, terminando com o sofrimento da doença. Não conseguimos entender bem o porquê de tantas dores, mas sabemos que nesse mundo tudo passa. O que importa mesmo é amar e ser amado.
A última mensagem de voz que ele me enviou foi falando de sua volta para casa em breve e esperaria a minha visita. Agora compreendo que ele estava certo. Voltou à pátria definitiva e um dia, com a graça de Deus, todos nós estaremos juntos. Enquanto isso não acontece, fica o luto, a saudade e o silêncio do carro de som que não irá mais passar, anunciando notícias alegres e tristes. Mas fica também o barulho da chuva que despertou do sono profundo e resolveu permanecer conosco por uns dias.
Chegadas e partidas. Devemos estar sempre preparados para as surpresas da vida.