Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Chegou o momento da conversa que havia agendado para esse dia. Há muito não encontrava mais alegria em sua vida, apesar de tudo estar indo bem. Já havia passado por turbulências maiores no passado. Mas olhava para si e não via cor, não ouvia mais os pássaros cantando, não admirava a beleza das flores. Parecia que um vazio ocupava todo o seu peito. Sentia o coração pesado, a mente inquieta e dias correrem rápidos demais. O pior de tudo é que as tarefas diárias precisavam ser cumpridas. Mas, cadê o ânimo? Para onde foram os sonhos? Como retomar o caminho?
Dentro de si permanecia a sua essência intacta e vibrante. Nunca se esqueceu de quem era e de como já sorriu na vida. A alegria estava ali, bem quietinha dentro dele. A coragem também, nunca havia deixado de habitar em seu coração. Mas, para onde foram as forças? Por que estava tão difícil levantar de manhã e cumprir os trabalhos do dia?
Esperou na capela chegar a sua vez. Tentava rezar como antes. Não conseguia. Sabia que o Senhor da sua vida estava ali, de braços abertos para acolhê-lo. Mas não O sentia. Apenas olhava o sacrário e pedia: “Senhor, salva-me. Que eu volte a ser quem eu era. Tira esse peso da minha alma”.
Chegou a sua vez. Entrou na minha sala, cumprimentou-me e sentou-se a minha frente. Começou a conversar, entrando em assuntos importantes, mas não conseguiu falar da sua dor. Parece que não adiantaria mesmo. Afinal, quem vai poder ajudar? Como falar de algo que não compreende e nem sabe bem como tudo começou?
Mas, durante a conversa, deu a entender que haveria algo a mais que precisava ser falado. Sentiu medo só de pensar que alguém pudesse colocar um pouco de luz em sua alma, iluminando o fantasma da tristeza que, há muito tempo, fazia morada ali dentro.
Quando ouviu em alto e bom tom: “Você não era assim. Está sem o brilho nos olhos, com o sorriso triste, sem perspectivas de sonhos. O que aconteceu?”. Desabou. Começou a chorar e disse: “Não sei. Eu só sei chorar”.
Iniciou-se aqui uma conversa sincera. Era urgente resgatar a sua essência que, por algum motivo, a vida lhe havia sequestrado. Realmente não poderia continuar vivendo assim por muito tempo. O mais interessante é que tinha acertado em muitas escolhas em sua vida. Tinha filhos saudáveis, esposa que se esforçava em viver bem o casamento, emprego. Tinha a família que o apoiava e os amigos para festejar a vida. Tinha fé. O problema era interno e não externo. Não estava inteiro naquilo que se propunha a fazer. E isso doía muito na alma.
Às vezes, sentia até culpa diante de tudo o que conquistou. Tinha dúvidas se estava sendo ingrato a Deus e a todos que o ajudaram. Não sabia como retomar a alegria. Sentia medo de fraquejar na fé. E, o mais difícil de tudo, era sentir-se sozinho em sua dor.
Em muitos momentos da vida nos perdemos em nossas escolhas. Sentimos que algo está errado, apesar de tudo estar no rumo certo. O problema não são os outros, não está no trabalho, não é financeiro. O problema está em nós mesmos. Descobrimos que somos muito mais do que pensamos. Possuímos desejos de liberdade, de ser quem realmente somos. E, para que essa reflexão se torne profunda, é preciso ter a coragem de se conhecer, enfrentar os medos, encher-se de coragem e seguir em frente.
“Quem sou eu?”. Somos nós mesmos que devemos responder a essa pergunta essencial da nossa existência. Cada um precisa, um dia, responder a essa indagação. Mas, acredite, ter fé em Deus, ir às missas, ouvir a Palavra com atenção, ajuda muito a descobrir quem somos e para onde devemos ir. É como um ensinamento que nos é dado aos poucos, até que um dia, sem que percebêssemos, acabamos por nos encontrar. Isso é libertador.
Quando descobrimos que Jesus, em vários momentos do Evangelho, vai se definindo como “Eu Sou”, e nos lembramos que Deus, no alto do Monte Sinai, diante de Moisés, enquanto a sarça ardia sem se consumir, intitula-se como “Eu Sou aquele que Sou”, percebemos que, para nossa felicidade plena nesse mundo, precisamos, também nós, definir quem somos, qual é a nossa essência, como se construiu a nossa história pessoal, qual a missão que precisamos realizar nesse mundo.
A verdadeira fé em Cristo tende a nos tornar donos de nós mesmos e sempre prontos a buscar a felicidade, mesmo diante dos problemas e das adversidades que a vida traz. É muito bom construir uma relação próxima de amor e intimidade com Deus. É importante cultivar a fé e enfrentar os medos. Ele, o ‘Eu Sou’, sempre estará perto de nós como o Bom Pastor; a Porta por onde as ovelhas passam; o Pão vivo descido do Céu a nos alimentar; a Água viva que nunca nos deixará sentir sede; o Caminho, a Verdade e a Vida, em abundância, como Ele mesmo nos prometeu.
Estar diante de si, respeitando a sua própria história e sendo sincero consigo mesmo, é o melhor caminho para a busca da felicidade nesse mundo. Não se pode perder tempo, é preciso acreditar em Deus e rezar, pedindo: “Fazei o meu coração semelhante ao Vosso”.