Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Era domingo de um ano distante. Tinha acabado de almoçar e fui rápido ao quarto, pois ainda precisava preparar a mala para uma pequena viagem de três dias. Nas duas últimas décadas, aprendi a fazer e desfazer malas. Confesso não ser o que realmente gosto de fazer, mas este ofício faz parte da vida que tenho, afinal, Milton Nascimento já disse: “Todos os dias é um vai e vem / A vida se repete na estação”. Acredito muito nessa verdade cantada pelo poeta. A vida é assim, comum e fascinante. Raramente temos algo extraordinário para viver, mas, no decorrer da vida, encontramos a beleza de fazer o melhor que conseguimos.
Um dia, descobri a força da Palavra de Jesus. Fiquei encantado em ver como é simples e profunda. Descobri que um dos relatos dos evangelhos conta a passagem de Jesus pela casa de seus amigos, em Bethânia. Maria, uma das irmãs, quando viu o Senhor, largou tudo pela metade, sentou-se aos seus pés e apenas ouviu o que Ele tinha a dizer. Já Marta, a outra irmã, corria ainda mais para deixar tudo pronto e pediu que Jesus esperasse um pouco, pois assim que tudo estivesse limpo e arrumado, ela também sentaria aos seus pés e ouviria as suas histórias. Ele, olhando para Marta e percebendo a sua correria, disse em alto e bom som: “Marta, Marta! Tu te preocupas e anda agitada por muitas coisas”.
Eu sou assim. Ora como Maria, que deixa tudo para ouvi-Lo. Aliás, faz vinte e cinco anos que deixei tudo para ficar sentado aos seus pés, e sei o quanto é bom quando consigo ouvi-Lo. Mas também, muitas vezes, sou como Marta, preocupado e agitado demais com as coisas, e isso sempre tira a paz. Dá vontade de aquietar um pouco, mas há tantas coisas que preciso fazer e dependem só de mim. O engraçado é que, quando encontramos alguém como Maria, despreocupada com os afazeres do cotidiano e inteira para estar com o Senhor, ficamos incomodados.
Bom, voltando àquela tarde de domingo, tinha acabado de fazer a mala, faltava ainda um banho e pegar a estrada, quando chegou uma mensagem da minha irmã dizendo assim: “Oi. O senhor Paulo acabou de falecer”. Um turbilhão de pensamentos povoou a minha mente. Fui arrebatado para quase trinta anos atrás quando o conheci, e um sentimento de perda invadiu a minha alma. Ao mesmo tempo uma gratidão imensa por tê-lo conhecido e saber quanto bem ele fez para a minha família. Um anjo bom, como tantos anjos bons que Deus nos envia pelo caminho, sem percebermos. Morreu no dia de São Francisco, no meio de um calor intenso. A vida é realmente um mistério, e a morte, ah, a morte é libertadora. Mas sofremos a ausência, sentimos saudades e sempre ficamos com a sensação de que podia ter aproveitado mais da presença do outro que se foi.
Há anos não nos encontrávamos, ele se mudou de cidade com sua esposa. Mas os tenho no coração e serei sempre agradecido por tudo, e rezo para Deus lhe dar o descanso no Paraíso.
Dias depois, era ainda de manhã, recebi outra mensagem. Agora de amigos que moravam em terras distantes e dizia: “Hola, una triste noticia, falleció la Olí, mamá de Jimi”. A triste notícia era de Susana, uma amiga de Maipú, Chile, falando da morte de Olí, mãe do Jimi, seu esposo. Conheci Olí há muitos anos numa viagem para o Chile, quando me acolheram e deram hospedagem, sem nunca antes terem me visto.
É realmente espantoso pensar nisso nos dias de hoje. Fiquei oito dias com eles e ganhei uma família chilena. Nunca mais os vi pessoalmente. Continuamos nos correspondendo por cartas, depois pelas redes sociais, e sempre partilhamos a vida, alegrias e tristezas. Susana sempre me atualiza sobre a família, e assim continuo fazendo parte da vida deles.
Parece mentira contar essa história, mas nos conhecemos porque fui ao Chile para um encontro de jovens da Igreja Católica. Foi quando tirei o meu primeiro passaporte e fiz a minha primeira viagem de avião. Foi ali que também percebi existir dentro de mim uma vocação especial e decidi ser padre. De presente, conheci essa família chilena, e hoje choro com eles a morte de Olí.
Bom, é assim a vida, linda, mas também cheia de histórias e de saudades. E foi refletindo sobre tudo isso que ouvi uma canção de Belchior, e, de alguma forma, fala muito de mim. No final da canção ele diz: “que a terra lhe seja leve”, fazendo alusão ao sepultamento daquele cidadão comum exaltado na canção.
Também somos todos homens e mulheres comuns. Carregamos em nós um pouco de todas as pessoas que passaram pela nossa vida. Vamos tecendo as tramas de nossa história. Ora na agitação, ora na calmaria. Às vezes alegres, outras tristes. O importante mesmo é fazer valer a pena cada dia do nosso viver. Cuidar daquilo que mais importa: a busca pela paz e pela força da fé. Não parar diante das tragédias que a vida nos apresenta. Não deixar ninguém nos aprisionar com seu mau humor e suas maldades.
Afinal, assim como a vida, um dia também queremos que “a terra nos seja leve”.