Padre, eu nunca disse isso para ninguém

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

Quando estudei moral, dentro do curso de teologia, aprendi que na vida precisamos fazer escolhas fundamentais. E são essas escolhas que determinam o nosso futuro e configuram a nossa vida, levando-nos ao choro ou ao riso. Com isso, tenho observado, nestes últimos tempos, os rumos que a humanidade está tomando. Aposto que você também está de olho nas novidades que todos os dias aparecem. São escolhas feitas por todos nós e que, das mais insignificantes, até as mais importantes, vão construindo a nossa trajetória.

Enquanto não aprendermos a fazer as escolhas certas, nossos caminhos serão tortuosos e nos levarão a experiências, muitas vezes, desastrosas. Raramente nos daremos bem se deixarmos a “vida nos levar”, pois precisamos tomar as rédeas da nossa própria história. Começamos a perceber que sem uma consciência apurada de quem somos e para onde queremos ir, acabamos nos envolvendo com pessoas ou situações que, com certeza, farão muita mal em algum momento.

Pensando assim, é preciso retomar uma prática muito antiga do cristianismo: rever as nossas escolhas, fazer um exame de consciência e recomeçar. Isso mesmo. Rever nossos projetos e, acima de tudo, o que estamos fazendo com a nossa vida. Olhar profundamente para os nossos atos mais corriqueiros e mudar de rumo, caso for preciso. Sem medo e sem vergonha. Aliás, autoanalisar-se é uma atitude de gente corajosa e, infelizmente, estamos vivendo num momento de dúvidas, hesitações e incertezas.

Sabiamente a Igreja Católica nos ensina em sua catequese que, ao menos uma vez por ano, precisamos fazer um bom exame de consciência e, depois, procurar um sacerdote que nos escute através do sacramento da confissão. Fico imaginando agora o que você deve estar pensando: Estamos em pleno Século XXI, e este padre vem falar de confissão? Quem é que busca um sacerdote hoje em dia para contar os seus pecados e os seus arrependimentos?

Já ouvi muitas coisas sobre a confissão, como: “Isso é um absurdo, pois mesmo um padre é um pecador, como pode nos perdoar? Além disso, os tempos mudaram e hoje a noção de pecado está muito mais diluída”. “Mas, afinal, o que é pecado mesmo?” “Hoje em dia podemos fazer análise, ler livros de autoajuda, aconselhar-se com um coaching, encontrar um guru”. “Que coisa mais retrógrada esta história de confessar”.

Tentei aqui recordar de tantas frases que já me falaram sobre este assunto. Tantas desculpas que inventamos para tentar justificar as coisas erradas que carregamos ao longo da vida. Talvez seja mais fácil “jogar para o universo”; isso também tenho escutado. “Jogar para o universo” é, mais uma vez, “deixar a vida me levar”, ir empurrando com a barriga e, se tiver sorte, reverter em acertos todas as escolhas erradas, como num passe de mágica.

Na minha vida tenho vivido muitas coisas, mas vou te contar um segredo: uma das mais intensas da missão de padre é atender confissões. Entramos num terreno sagrado que é a consciência humana, e, para isto, precisamos de muito respeito e de muita reverência. É por isso que a confissão sacramental está respaldada pelo sigilo canônico e, nunca, e sei bem o que isso significa, nunca deve ser revelado.

Eu já fui testemunha ocular de uma dor que foi carregada por anos no coração de uma pessoa e, um dia, resolveu que aquele peso já não lhe pertencia. Refletiu, confessou, aceitou a misericórdia de Deus e, entre lágrimas e sorriso de alívio, também se perdoou. Recebeu a penitência imposta pelo sacerdote e foi embora mais leve.

Já ouvi confissões de pessoas que literalmente estavam no final da vida e que passou a limpo toda a sua história. Eu, enquanto acolho o penitente e escuto os seus pecados, fico pensando no privilégio e no respeito que é poder entrar na alma de um ser humano, principalmente quando escuto: “Padre, eu nunca disse isso para ninguém”.

Um dia, fui atender confissões de pré-adolescentes, que estavam se preparando para receber a Primeira Comunhão. Orientados pelos seus catequistas, fizeram um exame de consciência e, pela primeira vez, realizaram a experiência de abrir o coração diante do sacerdote. Geralmente chegam com os rostos carminados e com o olhar de medo. Mas, aos poucos, vão falando o que entendem por coisas erradas que fizeram e demonstram, com o olhar voltado para o chão, o quanto arrependidas estão. São exatamente nestes momentos que fico impressionado de como as crianças conseguem entender o valor de um arrependimento, e, com coragem, faz o comprometimento de se esforçar muito para não errar de novo.

Já vi muito choro e ouvi muitas histórias que não deveriam fazer parte da infância delas, mas, em algum momento, foram apresentadas ao mal, e sofreram as consequências de escolhas erradas que outros fizeram. Que bom que também aprenderam o caminho da misericórdia.

Para nós cristãos, Jesus Cristo deve ser sempre o centro de nossas vidas, o Senhor e Salvador da nossa história. É preciso aprender com Ele como fazer escolhas certas e coerentes com a nossa fé. É preciso ser mais solidário e mais leve. Não conseguiremos isso sem um bom exame de consciência. O salmista já disse: “O Senhor transforma o nossa pranto em festa”. Essa é nossa fé. Um mundo melhor está por vir, acreditemos.