O Pastor de Belém

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Saiu de casa quando os últimos raios de sol insistiam em impedir a chegada da noite. “É tudo em vão esse esforço”, falou baixinho, com uma tristeza no coração e com a certeza de que tudo acontece sem sentido nenhum. Há muito tempo ele observava a vida e não tinha mais tanta esperança em ver mudanças nos seus dias. Construiu para si uma verdade que o aprisionava em seu pequeno mundo, acreditava que a vida era muito previsível e não valia a pena esperar por uma mudança. “É melhor se conformar”, acreditava.

O trabalho era duro. Ao longo do dia cultivava uma pequena horta e algumas galinhas. Vendia o fruto do seu trabalho na feira. À noite, tornava-se pastor de um pequeno rebanho de ovelhas, de um amigo de infância que sabia da sua necessidade em cuidar da família. Por isso, empregava esse homem para dar-lhe uma chance de ganhar um pouco mais para o seu sustento.

Naquele dia não vendeu quase nada. Voltou para casa com algumas moedas e quase toda a mercadoria. Encontrou a esposa fazendo pão para comerem, e os filhos brincando no quintal. Descansou um pouco e se preparou para o trabalho da longa noite, precisava estar atento à guarda do rebanho.

Ficava junto com outros pequenos pastores, todos muito humildes como ele, que davam graças a Deus por poderem ainda ganhar algum trocado com aquele trabalho. Entre uma ovelha e outra, dava tempo de conversarem um pouco sobre as lamúrias da vida. Um deles disse: “Deus se esqueceu de nós”. “A vida está difícil demais. Não estou conseguindo levar comida para casa”, reclamou outro pastor cansado do trabalho.

Nesse momento, a mulher e os filhos vieram na sua mente e, mesmo não crendo muito, agradeceu a Deus o pão feito pelas mãos da esposa. Sem querer, percebeu-se rezando fervorosamente ao Deus de seus pais e avós. Ainda havia um raio de esperança naquele coração, impedindo que a escuridão da descrença ocupasse espaço em sua vida.

A hora já ia adiantada. As ovelhas se aquietaram e dormiram tranquilas, sabendo que o pastor estava ali para protegê-las. Foi quando ele olhou para o céu e viu alguma coisa diferente. Estava acostumado com a noite. Sabia de cor o desenho das estrelas e as fases da lua. Esperava a aurora com todas as suas forças e se alegrava com a chegada dos primeiros raios vermelhos que começam a tingir a noite. Sabia a hora que o galo cantava na madrugada.

Mas, um ponto de luz começou a se destacar naquela noite, aos arredores da pequena cidade de Belém. Mostrou para um colega que estava próximo: “Será uma estrela?”. Um começou a mostrar para outro e o brilho aumentava cada vez mais.

Foi nesse momento que, de repente, surgiu um anjo no céu que os envolveu de luz e os pobres pastores ficaram aterrorizados. “Vamos morrer longe de nossas famílias”, gritou um homem paralisado de medo. O anjo, porém, disse-lhes: “Não temais! Eis que eu vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo. Nasceu para vocês, hoje, um Salvador, que é o Cristo Senhor, em Belém, na cidade de Davi”.

Ele não acreditava no que estava acontecendo. Parecia um sonho e se beliscava para acordar, mas já estava acordado. No entanto, as ovelhas dormiam em paz. A noite parecia dia. Eles, ajoelhados, olhavam para o céu e ouviam o anjo: “Encontrareis o recém-nascido envolvido em faixas, deitado numa manjedoura”.

A partir desse momento, o campo onde eles estavam fez-se Céu, e uma multidão celestial se juntou ao anjo mensageiro, cantando: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens que ele ama”. E foram embora deixando o pequeno grupo de pastores maravilhados.

Ele disse: “Vamos a Belém e vejamos se tudo isso é verdade”. Caminharam apressadamente sem dizer uma palavra. Não podiam dizer nada depois de terem escutado o céu cantar, de terem visto a luz no meio escuridão, de terem ouvido sobre um menino, faixas e manjedoura. “Será realmente possível colocar um menino que acabou de nascer em um cocho onde os animais comem?”, pensou ainda meio incrédulo.

Não precisou procurar muito para encontrarem o que o anjo havia anunciado. Ainda estavam nos arredores da cidade, conhecida também como “Lugar do Pão”, porque ali havia muitos fornos públicos, e o perfume de pão assado exalava por toda a cidade, quando, diante de uma gruta, usada para o cuidado de animais, depararam-se com um homem, uma mulher e um menino recém-nascido, envolvido em faixas e dormindo numa manjedoura.

Contaram aos pais tudo o que o anjo havia dito e reverenciaram o Menino. Não tinham presentes. Não estavam vestidos dignamente, mas chegaram com os olhos brilhando e o coração feliz. Juntos com os pais agradeceram aos céus tamanho presente deixado na Terra, e voltaram para terminarem a vigília da noite.

Quando chegarem ao campo onde estavam as ovelhas, encontraram-nas dormindo seguras. Não apareceram lobos ou ladrões. E logo os primeiros raios de sol começaram a surgir no horizonte, acabando com a noite escura.

O pastor voltou para casa transbordando de esperança. Com um sorriso nos lábios beijou a testa da sua esposa, abençoou as crianças que ainda dormiam e disse: “Nesta noite o Senhor fez morada entre nós!”.  E finalmente conseguiu descansar um pouco para depois iniciar com fé e alegria o primeiro dia de sua nova vida.