Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Sentou-se na minha frente e abriu o seu coração. Há anos não conversava com um padre e ultimamente apareceu do nada essa necessidade. A princípio esperou passar. Afinal, insistia em achar absurda essa ideia. “Nunca precisei de um padre e não é agora que irei precisar”, pensava. Mas, com o passar do tempo, essa possibilidade foi aumentando até que chegou o dia de ter coragem suficiente para enviar uma mensagem pedindo se, por acaso, havia um horário disponível para atendê-lo.
Chegou meio acanhado e o coração parecia sair-lhe pela boca. Na verdade, não sabia direito o porquê estava ali. Começou uma conversa diferente daquela realmente preparada para falar. Mas, aos poucos, foi se abrindo e, como num milagre, sua boca começou a colocar para fora as preocupações do seu coração.
Não percebeu o relógio pendurado na parede, fazendo as horas correrem velozes, pois naquele instante, o tempo havia parado enquanto ele se derramava todo em sentimentos. Uma mistura de arrependimentos, raivas, sonhos, realizações. Não necessariamente nessa ordem, mas tudo misturado.
No final, olhou para mim e disse: “É isso o que eu sinto”. Eu olhei para ele e sorri, pois a maioria das dúvidas consideráveis, trazidas durante a conversa, ele mesmo já havia respondido. Precisa apenas colocar para fora. Equilibrar-se. Ter alguém para escutá-lo, sem julgamento, sem preconceito, apenas respeitando a sua história e os seus dramas.
No final da conversa, depois de ouvir alguns conselhos e organizar o pensamento, foi embora agradecido. Os problemas continuavam ali, mas conseguiu enxergar a diferença entre a razão e o coração. E, assim, começar a dar passos mais acertados em suas escolhas pessoais. A vida é um grande mistério, mas é preciso saber conduzi-la com inteligência e fé.
Por falar em fé, percebi, desde o início, uma grande espiritualidade naquele homem, mas, pelos motivos da vida, não frequentava uma religião. Acredita em Deus, mas não vai à igreja. Tem o coração generoso, teme a Deus, mas não busca os Sacramentos. Mesmo assim, recorreu a um padre quando sentiu a necessidade de ajuda. Abriu toda a sua vida a um homem com quem nunca antes tinha conversado sobre assuntos tão pessoais.
Passou, talvez, por cima do orgulho, do medo ou, quem sabe, do preconceito em ir conversar com um sacerdote. Acredito ter sido guiado pela ação do Espírito Santo, que sopra onde quer, tocando os corações mais desavisados. Houve, naquele encontro, o dedo de Deus alinhando tudo e dando-lhe coragem para trilhar por caminhos desconhecidos. Houve ainda a vontade de Deus em fazer-me passar por essa experiência tão especial.
Há muitas pessoas resistentes em deixar-se guiar pelo coração. Somos muito racionais, e isso é bom até certo ponto. Mas é preciso também ouvir a voz interior comandada pelo Espírito de Deus que habita em nós. Somos moradas desse Espírito, diz-nos o apóstolo Paulo, e realmente o somos. Isso nos torna mais dignos, faz elevar nossa existência a um patamar mais sagrado, tornando-nos únicos aos olhos de Deus.
Muitas vezes, a mudança de ciclo, com a chegada do final do ano e o início do outro, é um tempo propício para fazer um exame de consciência. Não podemos apenas ir vivendo a vida, sem uma parada para os ajustes necessários. Sempre há rotas a serem trocadas, pesos a serem deixados de lado, ideias que precisam evoluir.
É claro, nem tudo precisa ser mudado. Também acertamos muito em nossas escolhas. Talvez, o importante mesmo, é confirmar se estamos no caminho certo. Agradecer a Deus e a nós mesmos pelos acertos e pedir ao Senhor para continuar nos livrando do mal. Se autoavaliar é uma necessidade e, se houver alguém de confiança para nos ajudar nessa tarefa, é melhor ainda.
Nesse mesmo dia, veio a minha procura outra pessoa e não só fez uma avaliação do ano que está acabando, mas também avaliou a vida inteira, desde a infância até os dias atuais. Conforme ia falando, eu, no meu íntimo, pedia a Deus respeito e cuidado necessário para poder pisar naquele solo tão sagrado, formado pela consciência e pela história do outro. E rezava, agradecendo a Deus mais uma oportunidade em poder ajudar alguém tão necessitado.
Eu acredito na ação do Espírito Santo em nós. Acredito na gentileza com que Deus conduz a nossa vida, sempre nos dando liberdade nas escolhas, mas sempre pronto a nos socorrer quando precisamos. Para mim, não é obra do acaso ver essas pessoas procurando um sacerdote e abrindo o coração para expor feridas que sangram há anos. Procuram a cura para as suas dores.
Muitas vezes, a dor da alma dói mais do que as dores do corpo. E, quando não suportamos mais o peso de carregá-las, Deus nos ensina que o poder da cura está na coragem de partilhá-las com alguém. Percebemos nessa hora ser preciso passar por cima do orgulho e da prepotência, para nos tornarmos mansos e humildes, como é o Coração de Jesus.
Na verdade, muitas vezes a cura para os nossos males está em ter coragem de despir-nos do peso da vida adulta para voltarmos a ter um coração de criança. Somente assim tocaremos o Céu, mesmo estando com os pés na Terra.