Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
O sol se pôs em meio a uma fumaça espessa e escura e eu ainda não havia conseguido mensurar a dimensão do que estava acontecendo. Até que vi uma foto do Cristo Redentor, que fica bem na entrada da cidade, junto com a nuvem ameaçadora que vinha da terra e alcançava o céu.
Acordei bem cedo e, num grupo do whatsapp, chegou um pedido de socorro: “Alguém venha socorrer, por favor, venha nos ajudar. Há dois idosos aqui. Precisam de ajuda. Socorro”. Alguém respondeu: “Calma, estamos indo. Fica calma”. Comecei a ver os vídeos do incêndio e era assustador. O fogo avançava velozmente e não havia muito que fazer. Apesar disso, homens e mulheres combatiam bravamente a queimada e tentavam conter esse avanço.
Quando abri a porta da casa, o ar que respirava denunciava o tamanho da tragédia. Uma fuligem preta e fina caía do céu deixando suas marcas. Não adiantava limpar, ela voltava rapidamente. O dia ficou apagado. O sol não conseguia brilhar livremente e dava um aspecto bonito, se não fosse triste, de uma neblina natural. Mas logo se percebia que não era bonito e nem natural. Era triste e assustador.
Fui à noite celebrar uma missa numa comunidade da roça. Não havia outro assunto. Ouvi de um senhor que nunca tinha visto tamanho incêndio por essas bandas. Outro relatou que um conhecido viu sua propriedade queimar com os animais, seus veículos, sua plantação. Outro ainda disse que os pais, desesperados, viam o fogo cercando a propriedade, e não sabiam se saíam ou continuavam ali na tentativa de proteger o que construíram durante toda uma vida.
Não se via alegria naquela missa. Os olhares eram de preocupação. O que restava a fazer era rezar para que a noite fosse gentil e não deixasse o vento soprar forte, para não atiçar as brasas que ainda fumegavam nem levar centelhas de fogo de um lado para o outro, como numa dança sem sentido.
Os relatos iam chegando cada vez mais. Agora, os que estavam na estrada tiveram que parar os veículos. O fogo tomou conta dos dois lados e não dava para passar. Tiveram que esperar amenizar as chamas e o calor. Enquanto isso rezar era a solução. Crianças pequenas com dificuldades de respiração e idosos se protegendo para não adoecer. Alguém do grupo alertou: “Quando saírem de casa usem máscara. O ar está carregado de fumaça e fuligem”. E estava mesmo há três dias, desde que começou o fogo.
Fiquei pensando nos animais que vivem nesses lugares. Aqui onde moramos há muitos deles ainda soltos pelos campos e pelas matas. Fiquei pensando nas árvores e nas plantações. Nos homens e nas mulheres que moram na roça, que trabalham pesado para conquistar o pão e criar os filhos e netos. “Meu Deus, tenha misericórdia do seu povo”, rezei baixinho.
Algumas mulheres se organizaram para levar água no cruzeiro da pracinha, ao lado da capela, e rezarem pedindo chuva. Lembrei-me do meu tempo de criança quando durante a seca levávamos imagem de santo para serem lavadas num pequeno riacho que passava perto da cidade. Muitos, hoje em dia, dirão que isso é bobagem, que não adiantam nada essas orações. Eu digo que adianta sim. Acalanta a alma saber que Deus atende um pedido sincero. Acalma o coração quando nos colocamos diante de Deus como filhos que pedem ajuda ao pai e sabem que ele pode resolver nossos problemas.
Tenho rezado para que Deus envie chuva para matar a sede da terra ressequida. Mas tenho rezado também para entender o que está acontecendo com o mundo. Não é obra da natureza esse tipo de incêndio. Não pode ser. Será que deixamos de pensar que os atos que tomamos geram também consequências? Interagir com a natureza, limpar os rios, plantar árvores, cuidar do lixo. Esses cuidados são cada vez mais urgentes e necessários.
“Padre, reze por nós”, pediu uma senhora com voz embargada. E eu rezo. Rezo por um mundo sem males. Pela paz nos corações. Pelas crianças que estão chegando, para que encontrem amor nas famílias. Rezo para que as pessoas não abandonem a igreja. Que participem das missas e sejam gratos pelas bênçãos recebidas de Deus. Rezo para que mais pessoas de boa vontade sintam o desejo de ajudar os outros. Rezo para que o bem comum esteja acima da ganância e do poder.
Ainda não tenho notícias de como está o incêndio agora. Não sei se conseguiram controlar ou se ainda queima, maltratando a terra. Vou limpar a sujeira que a queimada deixou na casa e levar um pouco de água no cruzeiro, pedindo que Deus nos ajude.
Reze você também pela chuva e pelo mundo. Às vezes, precisamos ouvir as pessoas mais simples, que aprenderam com a vida a lidar com as dificuldades. Afinal, em uma das orações que Jesus fez ao Pai, ele disse: “Eu te louvo, ó Pai, pois escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”. Quem tem ouvidos, ouça.