Sentei em frente ao computador para escrever essa crônica e a inspiração teima em não aparecer. Será mesmo, penso eu, que precisamos sempre de inspiração? É realmente necessário algo extraordinário para que a vida, ou o texto, se torne interessante? Ou, às vezes, o cotidiano também pode ser agradável aos olhos e à mente?
Olhei pela janela e lembrei que há dias o sol não aparece direito. Mas também não há nuvens de chuva. Apenas uma nevoa deixando esfumaçado o azul do céu, dando assim a sensação de que tudo está sufocado, sem ar. Em dias como esses, sem sol e sem chuva, precisamos também buscar o extraordinário, a beleza escondida e as boas lembranças de lugares ensolarados.
Nessas horas é bom ter amigos que, mesmo sem saberem, trazem luz e calor para nossas vidas. Recebi uma foto de uma professora muito querida que encheu-me de alegria. Veio acompanhada de uma mensagem que dizia assim: “Olá…nos Lençóis… imitando sua foto…Com os pés na lagoa”. E lá estavam dois pés descalços tocando pequenas ondas de uma lagoa no meio das dunas brancas dos Lençóis Maranhenses. Se não existissem milhares de lagoas e de dunas naquele paraíso, diria que era realmente no mesmo lugar que meses atrás eu fiz uma foto muito parecida dos meus pés.
Ah, não tem preço ser lembrado num lugar tão bonito e tão cheio da inspiração de Deus. Animou o meu dia e encheu de sol o meu céu. Viver é um dom maravilhoso que deve ultrapassar as fronteiras da nossa própria experiência pessoal e ir tecendo novos rumos e novas formas de enxergar o mundo. É por isso que não devemos esperar que tudo esteja bem para poder aproveitar a beleza de estar vivo. Não. Há um sentido extraordinário de encontrar alegria mesmo diante das dificuldades.
Um domingo desses, uma das leituras da missa dizia que o profeta Elias estava dormindo numa gruta. Passamos por esses momentos também de nos escondermos em uma gruta, longe de tudo e de todos para apenas dormir. Descansar. Sair da loucura em que vivemos, com as horas aceleradas, dias corridos, compromissos por cumprir e, sem pensar muito, apenas descansar.
Mas, uma voz encheu os pensamentos de Elias e disse: “Sai e permanece sobre o monte, porque o Senhor irá passar”. Fiquei pensando o que se passou na cabeça daquele homem. Da gruta escura e silenciosa, subiu para o alto daquele monte esperando algo extraordinário, talvez o mais maravilhoso da sua vida: “Ver o Senhor face a face”.
Criamos ainda hoje muitas expectativas sobre as coisas do Céu. A busca pelo Sagrado acaba nos confundindo com o ritmo do mundo e transferimos a correria e o barulho de hoje para encontrarmos a Deus, que na maioria das vezes se apresenta no silêncio e na calmaria.
Tentamos buscar a Deus na gritaria dos cantos e das orações. E como temos pressa em receber a bênção. Para alcançar esse objetivo, passamos por cima de tudo, inclusive nos isentando do nosso jeito grosseiro de ser, para alcançarmos as graças do alto, sem mudar a nossa maneira de lidar com o outro. Determinamos a cura e nos esquecemos que, o momento, quem realmente determina é Aquele que nos criou.
Elias ficou parado sobre o monte esperando o Senhor. Veio uma ventania, mas ele não viu a Deus. Houve um terremoto, mas o Senhor não estava lá. De repente, um fogaréu incendiou tudo, queimando e destruindo, mas ali também não encontrou a Deus.
Quando estava quase desistindo, ouviu-se um “murmúrio de uma leve brisa”. Diz a leitura que nesse momento Elias cobriu o rosto com o manto. Esse foi o gesto para demonstrar que ele viu a Deus. O extraordinário aconteceu no ordinário, no corriqueiro, na leveza de uma brisa. Aqui está o milagre que tanto procuramos e nem sempre encontramos: “Ver a Deus no cotidiano da vida”.
Para que isso aconteça, é preciso silêncio, equilíbrio, paciência e fé. Quatro pontos importantes para a nossa espiritualidade. Sem desespero, sem reclamações, apenas confiar na providência divina.
Já faz um mês que faleceu meu amigo coveiro aqui da nossa cidade. Contaram-me que foi sepultado na cova que ele mesmo abriu. Era coveiro há muitos anos e trabalhou até poucos dias antes de falecer, deixando pronta, sem saber, a sua última morada. Deixou saudades no coração de todos que o conheciam. Mas, ao menos para mim, deixou a certeza de que não sabemos o dia e nem a hora em que veremos Deus face a face. É preciso estarmos prontos quando sentirmos o “murmúrio da leve brisa”, soprando sobre o nosso rosto.
O sol hoje não saiu até agora. O dia ainda anda anuviado e pálido. Mas meus pés sentem o frescor das águas em meio às brancas dunas. Em algum lugar do mundo a paz reina e é para lá que devemos ir, mesmo que em pensamento. Que a brisa suave toque sempre a nossa alma inquieta. E que a bênção do Senhor recaia sobre cada um de nós.
Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Pôr do sol nos Lençóis Maranhenses.
(Foto de janeiro de 2022)