Americocampense

É muito triste quando nos esquecemos de que a vida é preciosa e que os dias passam ligeiros e, por isso, não há tempo para perder. Muitas vezes, sem que percebêssemos, acostumamos com a vida que levamos e ficamos imersos num conformismo travestido de realizações fúteis e mesquinhas. Ensimesmados de orgulho, acabamos por acreditar que, sozinhos, iremos conseguir tudo. Não preciso dos outros e muito menos de Deus.

O mundo se apequena e começamos a falar sempre das mesmas coisas, das mesmas pessoas, dos mesmos problemas, das mesmas soluções. Nossos olhos se acomodam e deixam de ver o que realmente está acontecendo ao nosso redor e acabamos por perder o brilho que antes iluminava a nossa alma repleta de juventude. O que era doce passa a ser amargo, o que era prazer passa a ser obrigação e o que era sonho para a ser pesadelo.

Ficamos como que anestesiados e perdemos as forças para ir à busca de sentido para a nossa vida. E aí, não há diálogo e nem respeito, ganha a conversa quem grita mais alto e não quem tem razão. Discutem-se problemas periféricos e vulgares, não percebendo que o que realmente importa não é falado. Chora sozinho. Ri sozinho. Busca entender o que está acontecendo, sozinho.

A fé é essencial nesse momento. Pois chega um momento no meio desse abismo que nos lembramos de Deus e recordamos que Ele está aqui ao lado e nunca nos abandonou. Assim, nada melhor do que refazer o caminho, tendo a esperança revestida de coragem, jogando luzes na escuridão.

Anos atrás, voltando para casa de carro, olhei para o lado como num impulso e vi uma senhora bem idosa, sentada na porta da sua casa, acenando com a mão como quem pede ajuda. Fiquei em dúvida se parava ou não, podia ser coisa da minha cabeça, mas parei, fui até ela e perguntei se estava tudo bem. Com os olhos marejados e a voz cansada, ela agradeceu e disse que estava ali há muito tempo e ninguém parava. Sentia muitas dores e, sozinha, não sabia o que fazer.

Enquanto esperávamos o socorro chegar, fiquei conversando com aquela senhora, tentando distraí-la para não sofrer tanto. Não a conhecia, mas, em pouco tempo, contou-me sobre a sua vida e as suas angústias. Quando o socorro chegou, sua expressão de dor voltou e eu a deixei em boas mãos. Fui embora com a sensação de que viver não é fácil e há muito sofrimento no mundo.

Hoje, olho para minha vida e vejo que ainda conservo em meu coração a esperança travestida de coragem. O tempo vai fazendo com que as prioridades da vida mudem e o essencial ocupa verdadeiramente o seu lugar de destaque. Não há mais ilusão de que vou mudar o mundo, já me contento com a mudança do meu próprio mundo. Não perco tempo com conversas fúteis. Evito pessoas amargas, a não ser que elas saibam do seu amargor e queiram ajuda para mudar.

Busco Deus que é Pai e misericordioso, mas, ao mesmo tempo, acredito na bondade do coração humano e na seriedade da busca pela santidade. Professo Jesus como Senhor e Salvador da minha vida. Que me alimenta com a Eucaristia e perdoa meus pecados quando, arrependido, procuro outro padre para me dar a absolvição. Falo d’Ele com amor e com respeito e me alegro quando encontro outras pessoas que também fazem essa escolha de levar a boa nova do evangelho. Acredito na força do Espírito Santo que nos conduz sempre ao coração de Deus e nos ajuda a sustentar a fé.

Sei que não sou perfeito, pois aprendi numa canção da nossa Igreja que “perfeito é quem nos criou”. Por isso, vou vivendo ajudando e sendo ajudado, intercedendo e recebendo intercessão, ensinando e aprendendo. Afinal de contas, viver é uma luta constante. É uma colcha com muitos retalhos coloridos e em preto e branco. No final, torna-se uma bela peça artesanal, tecida por muitas mãos, mas que conta a história da minha vida.

Fui acolhido numa cidade que não me conhecia. Abriram as portas para mim. Olharam-me com curiosidade no início e esperaram o tempo certo para gerar confiança nesse encontro. Deixaram-me comer do pão que assam em suas casas e colocaram para mim um prato a mais em suas mesas.

Agora, posso agradecer de coração por tudo o que recebi desse povo hospitaleiro. Sem saber, deram-me a oportunidade de viver plenamente a minha vocação, renovaram o sentido da minha vida e despertaram dons que eu ainda não possuía plenamente, apenas em potência.

Sinto-me honrado em receber um título que me traz a mesma condição dos nascidos dessa terra. Somos agora membros do mesmo povo, herdeiros das araras-azuis, das maritacas e dos seus grunhidos barulhentos. Carregamos as mesmas dores, os mesmos sonhos e as mesmas lutas.

E, mesmo que o final não seja aqui, pois isso só Deus pode escrever, serei, no solo onde estiver, um pouco dos ipês-amarelos da nossa praça, dos canaviais e das roças que sustentam o nosso povo, das flores que dão vida a nossa cidade. E quero ainda estar no vento, que sopra sobre a cidade e leva a badalada do relógio da nossa exuberante torre da igreja matriz, que a cada quarto de hora, suavemente, lembra-nos que o tempo está passando e não espera ninguém.

Digo que vale a pena viver aqui debaixo desse céu azul e ser chamado de americocampense. Obrigado pela gentileza de me fazerem um com vocês e estendo os meus braços, imitando o nosso Cristo redentor na entrada da cidade, para abraçar a todos com carinho e respeito.

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal