Ajoelhou e chorou. A dor que trazia no peito era grande demais. Um emaranhado de escolhas e situações vividas fez com que ele perdesse o rumo, escurecesse o sol que brilhava sobre a sua existência. Ainda tinha no peito a certeza de que viver era bom, mas não percebeu quando começou a sua jornada para o desespero. Não conseguia entender o que estava acontecendo consigo e nem como poderia sair daquele sofrimento.
Procurou o padre. Deixou que a sua alma ferida saísse vagarosamente pela sua boca. Trazia um gosto amargo de frustrações e tristezas, mas era preciso colocar para fora tudo isso que estava sufocando a sua vida. Precisava apenas ser ouvido, sem julgamentos e sem interrupção para poder, quem sabe, encontrar um pouco de alento. É preciso coragem para fazer um exame de consciência, avaliar as escolhas feitas na vida e, se precisar, recomeçar caminhos novos. Coragem para descobrir que, em alguns momentos, não fez escolhas muito boas. Foi egoísta, intransigente, magoou e foi magoado.
Essa coragem em buscar o caminho dentro de nós mesmos sempre produz frutos bons. Mas, antes, leva-nos a um lugar onde não queremos estar. Ressuscita traumas, arma gatilhos, traz à tona pessoas que já havíamos sepultado dentro da nossa consciência. Mas, é preciso reviver tudo isso para refazer o caminho.
O livro de Eclesiástico diz que: “O rancor e a raiva são coisas destetáveis; e até o pecador procura dominá-las”. Se até aquele que está acostumado ao mal precisa domar esses sentimentos ruins da sua vida, imagine os que não buscam o mal em suas vidas e não sabem lidar com essas forças negativas. Como sofre aquele que faz escolhas tendo o rancor e a raiva como guias de suas ações. Chega a doer mais em si mesmo o peso que carrega dentro da alma, do que o mal que essa dor gera nas pessoas que estão ao seu redor.
O mesmo livro de Eclesiástico diz: “Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura? Se não tem compaixão do seu semelhante, como poderá pedir perdão dos seus pecados?”. Talvez seja por isso mesmo que se autoanalisar, entrar no mais secreto cômodo da sua consciência, seja tão dolorido. Pode ser que descubramos que o grande culpado somos nós mesmos. Que a mudança precisa vir de nós. Carregamos as dores das nossas próprias escolhas.
É por isso que ser cristão no mundo de hoje é um desafio. Deixarmos de cobrar de Deus soluções para nossas vidas e nosso mundo, e começarmos a ser, nós mesmos, os protagonistas de uma nova história, esse é o grande desafio.
A fé deve nos levar a buscar a Deus que já nos deu tudo para sermos felizes. Deu-nos a vida, modelando com suas próprias mãos e soprando o seu hálito vivificante em nossas narinas. Deu-nos o seu Filho Único, para nos mostrar o rosto misericordioso do Pai e nos trazer a salvação. Deu-nos inteligência para que a liberdade de consciência não fosse prisioneira das amarras do pecado. Deu-nos um sentimento que só Ele possuía, a compaixão. Assim, ao sentir a dor do outro, como se fosse a nossa mesma, pudéssemos ajudá-lo para que o sofrimento não causasse mal a todos nós.
Esse mesmo livro continua dizendo assim: “Lembra-te do teu fim e deixa de odiar”. Profundo e direto. Para que tudo isso se a vida nesse mundo um dia se acaba? É preciso lembrar-se dessa brevidade da vida.
Cheguei à casa da minha mãe um dia desses e ela tinha feito um bolo chamado “brevidade”. Talvez leve esse nome por ser rápido de fazer, ou, quem sabe, por depois de pronto desmanchar na boca rapidamente. A vida é assim também: desmancha-se rapidamente. Vai esvaindo-se pelos dedos das mãos como a água que lava o nosso rosto todos os dias de manhã.
É por isso que, ao analisar a vida, fazendo um exame de consciência, devemos refazer alguns caminhos que nos levam ao Eterno. Não ter medo do recomeço e dos mistérios que ainda estão por serem desvendados. Carregar a esperança, junto com a mala, é essencial. Traz-nos uma leveza que só os que encontraram a fé nos ensinamentos dos evangelhos conseguem possuir.
Os problemas irão continuar, as cruzes virão, espinhos aparecerão antes das flores, mas o caminho será mais bonito e a alegria nunca mais deixará de morar dentro de você. O sofrimento poderá até mostrar as suas garras, mas não será forte o suficiente para derrubá-lo. Afinal, você nunca mais andará só. Deus estará na sua frente, ao seu lado e atrás de você, para abençoá-lo e protegê-lo.
E os seus dias, assim, serão prazerosos, pois você fará o seu caminho respeitando aqueles que encontrar, mas sabendo que suas escolhas é que determinarão o seu estado de espírito. E Deus, sempre bom e generoso, nunca deixará de abençoar a sua vida.
Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal