Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Mais um ciclo se fecha. Esse ano não volta mais. Quem viveu, viveu. O que passou, passou. Foi um grande desafio enfrentar as enchentes que aconteceram no Sul do país. Muitas vidas ficaram submersas para sempre debaixo das águas que caíram do céu. A terra foi devastada. Lavada até a alma. Não se tinha para onde correr. Cada dia era um desafio manter-se vivo. Cada noite, fria e úmida, só era vencida com a ajuda solidária de milhares de voluntários, corajosos. Heróis e heroínas sem nome mas com um coração gigante.
Até que um dia as chuvas cessaram. Deram uma trégua, fazendo com que os sobreviventes começassem a limpar tudo o que havia sobrado e pudessem contar para as gerações futuras as histórias tristes que viveram. Conseguirão falar sobre solidariedade, superação, esperança. Nem tudo foi perdido. Encontraram fé e força em meio à tragédia vivida. Descobriram que não estavam sozinhos. Isso é o que realmente importa.
Logo depois passamos por uma seca intensa em muitas regiões do país. Inclusive aqui onde moro. Foi chegando devagarinho, sem fazer alarde. Quando percebemos, muitos meses haviam se passado sem que uma gota de água caísse do céu.
O ar ficou seco, a plantação pegou fogo e nuvens densas de fumaça impediram que o sol brilhasse. À noite, do céu, caía uma fuligem fina tingindo de preto tudo o que tocava. E perguntávamos, rezando: “Até quando, meu Deus?”. “Por misericórdia, mande-nos um pouco de chuva”.
As mulheres pegavam recipientes de água e iam ao sol do meio dia até o cruzeiro para fazerem suas rezas e seus cantos de lamento. Até os homens, quando se reuniam aos sábados para rezarem o terço, colocavam como intenção a dor e o sofrimento que a falta de chuva causava. E enchiam o peito de esperança para rezarem as Ave-Marias.
Assim, como foi embora de mansinho, sem avisar, a chuva voltou. Sem alarde e sem pedir desculpas por ter ficado tanto tempo ausente e ter causado tanto mal. Hoje tudo voltou ao normal. O tom pálido, imposto pela seca, deu lugar ao verde. Os troncos queimados e ressequidos das árvores voltaram a brotar folhas novas. Parece até um milagre.
Eternos viajantes! É isso que somos. Seres solitários, mas necessitados de afeto e carinho. A vida se faz de verdade quando nos dispomos a ajudar o outro. E devemos ser solidários simplesmente porque essa é a nossa natureza. Somos bons. Não nos esqueçamos nunca dessa verdade. Nascemos bons.
A maldade vai se alojando em nós como uma praga astuta e perversa. Travestida de orgulho, muitas vezes nos engana, petrificando o nosso coração e a nossa consciência. Por isso, não há sentido em viver de maneira egoísta, pensando só em si e em seus desejos.
A alegria em viver está justamente em ser para o outro. Mas, antes disso, é preciso primeiro olhar para si e se desvendar. “Quem sou eu?”, precisamos nos perguntar e responder sempre que possível. E quando descobrimos quem somos é inevitável ir além, transcender para encontrar o Outro, com “O” maiúsculo, que é o próprio Deus.
Sei que pensar sobre si, sobre os outros e principalmente sobre o Outro, está meio fora de moda. Ligamos o piloto automático e vamos vivendo. Para que perdermos tempo pensando, já que a vida é tão curta?
Mas, lembremo-nos de que a vida é curta e frágil aqui nesse mundo. Assim como o tempo é feito de ciclos, a vida também termina aqui e começa na eternidade, onde tudo ganha nova cor, novos horizontes, novo sentido.
Estamos deixando para trás um ano com muitas tragédias, mas sejamos honestos conosco mesmo, também tivemos muitas alegrias. O Senhor nos conduziu até aqui. Encheu-nos de coragem para enfrentar todas as situações difíceis e abriu-nos os olhos e o coração para vermos as grandes realizações.
O poeta português, Fernando Pessoa, descrevendo sobre a espantosa realidade das coisas, disse: “Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”.
Ah, o que seria da vida sem os poetas para iluminar os nossos pensamentos e desvendar com tanta modéstia os mistérios do mundo. E o que seria de nós sem a fé no Cristo, que da água se fez vinho e da morte se fez vida.
Fecha-se um ciclo. E com ele jazem todos os dias vividos com intensidade ou timidez, com esperança ou desespero, com luzes ou sombras, com orações ou lamúrias. Fecha-se uma porta e no mesmo instante abre-se outra. Novo ciclo aberto à história ainda não escrita. Pleno de expectativa, confiança e fé. Pronto para ser vivido com alegria e intensidade, como se fosse o último de nossas vidas.
Quanto a nós, continuamos eternos viajantes solitários, mas necessitados de afeto e carinho. E nesse novo ano que se inicia, de viajantes que somos, tornamo-nos peregrinos da esperança. Prontos a transformar nossos lutos em alegria, nossa miséria em misericórdia, nossas frustrações em sonhos possíveis de se tornarem realidade.
Acreditemos nesse novo ciclo. Que venha de mansinho, trazendo paz ao coração da humanidade.