“Vamos para a outra margem!”

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

Estava sentado no sofá quando cheguei para uma bênção. O rosto sem muita cor, abatido pelo cansaço que nos últimos dias varria o seu ânimo e o deixava debilitado, dava àquele jovem um olhar triste. Já estava sob os cuidados da equipe que o atendeu no hospital. Exames feitos, medicação em dia, mas aguarda o retorno que deverá fazer ao médico para que decidam qual rumo irá tomar o seu tratamento.

Ao seu lado estava a mãe que segurava uma pasta nas mãos com exames e pareceres médicos. Falou sobre os diversos tratamentos que seu filho já realizou ao longo da vida. Hoje, ao vê-lo com vinte e cinco anos, tem a certeza de que o conhece muito bem pois nunca deixou de estar ao lado dele nos momentos mais difíceis. “A dor que ele sentiu dessa vez é nova”, disse-me com toda a certeza do mundo. E continuou: “Os especialistas não me disseram claramente o diagnóstico, estão aguardando o parecer do médico. Mas eu sei qual será o resultado. Conheço muito bem o meu filho e os sintomas que ele está sentindo”.

Conversamos mais um pouco, dei a bênção para o filho e para a mãe e fui para casa. Confesso que saí impressionado com o amor daquela mãe. Ela e o filho são uma coisa só. A vida fez com que eles se unissem contra a doença e ela vestiu a armadura da coragem para enfrentar essa batalha. Venceram todas as investidas dessa enfermidade e continuarão vencendo, pois, além do amor que os une, eles ainda são pessoas de fé. Acreditam em Deus e têm uma devoção linda a Nossa Senhora.

Como é bom ter fé. Acreditar num Ser Superior que os ama de maneira incondicional e que nunca os abandona. Ela me disse que em uma das vezes que ele foi para o hospital, numa prece que só o coração de mãe pode fazer com tamanha intensidade, pediu a Nossa Senhora: “Mãe, cuida do nosso menino”.

Entregar-se totalmente aos cuidados da fé e esperar. Essa foi a lição que aprendi nessa visita. É engraçado que, como padre, às vezes penso que tenho que levar uma palavra de conforto, falar do amor de Deus, explicar os caminhos seguros que a fé nos dá. Mas, quando percebo os rumos da conversa, vejo que é o próprio Deus dando uma lição a mim. Ensinando-me a ensinar.

Um dia, enquanto o sol lentamente se despedia e o crepúsculo tingia o céu de laranja e azul, dando aos olhos mais sensíveis a beleza de um espetáculo à parte, Jesus olhou para os seus discípulos, quase sempre distraídos com os seus afazeres ou pensamentos, e disse: “Vamos para a outra margem!”.

Ao longo da vida vamos aprendendo que ser uma pessoa de fé é estar sempre disposto a ultrapassar os limites. É não se acomodar, pois a qualquer momento precisa partir para a luta e enfrentar um leão. É dar espaço aos propósitos de Deus, sabendo que, às vezes, esses propósitos vêm em forma de cruzes que precisam ser carregadas. A fé nos torna pessoas fortes. Não é só acreditar em Deus. É acreditar, configurar a sua vida nessa crença e caminhar sempre em frente.

Ir para a outra margem é desinstalar-se do comodismo e da preguiça espiritual que nos assola e acaba com a nossa esperança num mundo novo. É descobrir que na vida há muitas possibilidades e, na maioria das vezes, não somos capazes de enxergar, pois nos acostumamos com mediocridade. É triste ser medíocre. Encerra toda a força vital da nossa existência e acaba nos arrastando para um abismo construído pelas nossas próprias escolhas.

Guimarães Rosa, escritor brasileiro, tem um conto chamado “A terceira margem do rio”, e fala sobre uma margem que transcende as possibilidades. Suscita em nós a reflexão sobre uma margem que não é vista a olho nu. Que vai além da perspectiva da lógica humana e nos transporta para outros cenários que só são possíveis para aqueles que têm a coragem de ir além.

Sempre que vejo Jesus convidando para subir numa barca e ir para a outra margem, eu me lembro desse conto. O Senhor sabe que tendemos a nos acomodar na vida, principalmente na vida espiritual. Com isso, Ele insiste que façamos outras experiências, enfrentemos nossos medos, alarguemos nossos limites, aumentemos a nossa fé.

Nesse dia do convite para ir para a outra margem, no meio da travessia, uma tempestade agitou as águas e os discípulos acharam que iriam morrer.

Quanto a Jesus, que também estava no barco com eles, dormia tranquilamente com o seu travesseiro, na parte de trás do barco. Chega a ser engraçado imaginar o desespero daqueles homens e a despreocupação de Jesus, dormindo o sono dos justos.

Eu vi e ouvi aquela mãe e aquele filho jovem e percebi neles a disposição de irem para a outra margem. “Se é para enfrentar tudo de novo, nós vamos enfrentar. Desistir nunca”, ela me disse com o olhar cheio de esperança. E eu acreditei com eles no sucesso do tratamento e na verdade da busca pela cura.

Saí com mais coragem e com a certeza de que eu também preciso ir para a outra margem. Não uma travessia sem sentido de um lado para o outro, mas a terceira margem do rio, que transcende a vida cotidiana e nos faz olhar para a realidade do Céu sem tirar os pés da Terra.