Vamos fazer uma festa

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

O coração batia de maneira acelerada. No estômago, um bando de borboletas insistia em bater suas asas dando a sensação de que algo muito importante estava prestes a acontecer. E eu, ali, sentado no meio de uma multidão, com os olhos de criança e a mente de um homem cheio de responsabilidades, mas não conseguia acreditar na chegada desse dia.

É assim a vida para quem acredita nas possibilidades que a fé pode proporcionar. Somos muito mais do que o meio de onde viemos, os limites do corpo ou os traumas e a construção psíquica que temos. Somos pessoas humanas e isso basta para irmos muito além do que imaginamos.

A liberdade, em sintonia com o empenho e a responsabilidade das escolhas, faz com que a vida seja realmente maior do que ela é. Numa parábola, Jesus nos narra que foi confiado um pequeno valor a algumas pessoas e depois de um tempo precisaram prestar contas do que receberam. Alguns fizeram multiplicar o valor recebido, mas um devolveu exatamente o que recebeu. O medo o paralisou. Não se arriscou na busca de ganhar um pouco mais do que lhe fora confiado. Acomodou-se. Enterrou no fundo do quintal o tesouro recebido e ficou esperando o tempo passar.

A vida é esse tesouro. Dado de maneira gratuita, faz de nós guardas de um valor inestimável. Mas o grande segredo é se arriscar. Buscar mais do que recebemos. Lutar incansavelmente na busca de valorizar o que temos e fazer valer a pena ter nas mãos tamanha preciosidade. Não é saudável conformar-se com a mediocridade. A preguiça e a indiferença acabam apagando o brilho dos olhos e matando os sonhos que carregamos.

Muitas vezes, as nossas conversas com Deus são exigentes demais. Acabamos cobrando muito mais do que merecemos. Por muito pouco deixamos de cumprir com nossas obrigações religiosas. Não vamos à missa por qualquer motivo. Não rezamos como devíamos. Não estudamos a Palavra. Não colocamos em prática os ensinamentos cristãos. Não conhecemos a doutrina da nossa Igreja.

Mas, no nosso relacionamento com Deus não basta ser Ele o nosso Criador. Não basta ter-nos feito à Sua imagem e semelhança. Não basta ter-nos dado o Seu Filho Único. Não basta a paixão e a morte cruenta na Cruz. É preciso mais, afinal a nossa parte podemos fazer de qualquer jeito, mas a Dele não.

Somos detentores de um tesouro: a existência. A vida precisa de um sentido. É preciso parar de reclamar tanto. Parar de tanto orgulho e prepotência. Parar de se colocar no lugar de vítima. Há beleza em existir. Há beleza e leveza em se ter fé.

Dias desses fiz uma viagem que havia programado há muitos anos. Não sabia quando ela se realizaria, nem onde ou como. Mas esse dia chegou e fez de mim uma pessoa com mais fé, mais alegria e com a sensação de que a vida está se multiplicando. Daí o coração acelerado, borboletas no estômago e uma multidão comigo fazendo parte desse sonho.

Quando terminou o evento, motivo dessa pequena viagem, era quase meia-noite. Saí caminhando pelas avenidas da grande cidade em que estava com a certeza de que a beleza vem de Deus, e a arte é prova disso. Minha mente estava como que num torpor de alegria e calmaria. “Alegria, alegria”, tinha cantado há poucas horas. E esse era o sentimento que carregava. O ser humano tem a capacidade de ir além do que os seus olhos podem ver e seus pés podem caminhar. Somos dotados de inteligência e liberdade, o que faz de nós seres ilimitados.

Não caminhava só. Comigo, cerca de sessenta mil pessoas também retornavam para casa. Cada uma com o seu destino. Cada qual com a sua história. No meu pensamento ecoava um mantra: “Vida, minha vida / Olha o que é que eu fiz”. Onde vim parar. Há alguns anos vinha esperando essa oportunidade. Algo me dizia que um dia iria se realizar. E não é que chegou?

Atravessando o canteiro, entre uma avenida e outra, “Caminhando contra o vento / Sem lenço e sem documento”, olhava o rosto de todos os que passavam por mim e sabia que compartilhavam a mesma sensação de alma leve. “Está certo dizer que estrelas estão no olhar”, disse o poeta. E é isso. Não precisa muito esforço para tocar o sagrado. Basta querer e nunca desistir.

É preciso fazer um acordo com o Tempo, pois ele não espera ninguém. É implacável e arrogante, corre velozmente e nós, pobres mortais, corremos atrás para ver se ele não passa. Mas, mesmo que passe, traz consigo a sabedoria, no momento propício, e faz com que “o espírito ganhe um brilho definido”.

Com os pés na terra e o coração no Céu, refleti sobre outro tempo, onde Deus faz morada. Onde as horas não passam e o calendário não existe. O tempo de Deus existe, chamamos de Kairós. É o tempo oportuno onde tudo acontece e onde os sonhos se realizam. É onde cantamos uma canção de amor sem prazo de validade, pois fala sobre a eternidade. É onde escrevemos um livro que não tem começo e nem fim, pois possui apenas sentimentos. É onde a vida não para e o tesouro da existência se multiplica.

A vida é boa, mas é luta constante. Deus ajuda a tornar tudo mais bonito. A canção,  que encerrou a noite memorável que vivi, dizia: “Meu povo, sofremos tanto / mas sabemos o que é bom. / Vamos fazer uma festa / Noites assim, como essa / Podem nos levar pra o tom”. O tom, para mim, é a certeza de que viver é bom. Deus é sempre bom.