Um dia sem cor

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Era bem cedo quando fui até o Velório Municipal. O dia ainda estava acordando. Um clima frio e uma pequena névoa trazia uma tristeza silenciosa. Ele havia saído para trabalhar, como sempre fazia nesses últimos anos. Era caminhoneiro e viajava para longe em busca do pão nosso de cada dia. Sempre falava com a família, trazendo as novidades do caminho. Mas, sem avisar, parou de dar notícias. Tentavam falar com ele, mas não atendia o celular. Com muita dificuldade conseguiram localizar o caminhão e o encontraram sem vida. Não resistiu a um infarto.

Nas redes sociais da família e dos amigos começaram a postar vídeos que confirmavam a sua alegria. Cantando, rindo, fazendo festa, alegrando os que estavam ao seu redor. Assim ficará na memória de todos. Não se tem muito o que dizer à família nesse momento. Não dá para acalentar o coração daquele que sofre essa ausência. Não se esperava. Saiu para trabalhar e não retornou mais.

Ao chegar ao local, encontrei muitas pessoas que vieram para as últimas homenagens. Rezamos, cantamos, pedimos a Deus o consolo do coração. Quando tudo parece sem sentido, a fé sempre nos ajuda a colocar os pés no chão. Acende uma luz onde tudo eram trevas. Começa a organizar as emoções e nos lembra que a vida continua. Deus está conosco.

O evangelho refletido foi sobre o diálogo entre Jesus e Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?”, disse o discípulo ao Mestre. Jesus, olhando com carinho bem no fundo dos olhos de Tomé, respondeu: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai se não passar por mim”.

A religião cristã precisa nos levar a crer na Vida Eterna. Estamos nesse mundo de passagem e a morte não existe. O que temos é vida, e vida em abundância. Crer em Jesus é tê-lo sempre ao nosso lado. Na alegria e na tristeza. Nos momentos bons e também nos ruins. Mas, principalmente, quando os acontecimentos da vida não conseguirem nos dar as respostas que precisamos, a fé já traz consigo o consolo, mesmo que não saibamos direito para onde ir.

A tarde começou a cair. Os últimos raios de sol tocavam o horizonte. Ultimamente os dias estão mais curtos. A noite cresceu de tamanho e ocupa um espaço maior, impedindo que a luz chegue cedo e apagando os raios com a fúria de quem quer ocupar um espaço que não era seu.

Fui chamado novamente para o Velório. A noite anterior foi trágica. No final de uma noite de diversão, alguns jovens se envolveram em um acidente de carro. Uma delas não resistiu. Dezenove anos. Aos poucos a notícia foi chegando. A princípio com muitas desinformações e dúvidas, mas ao longo dia foi se esclarecendo, e a dor ocupou o lugar da curiosidade.

“Mas tão linda”. “Como isso pôde acontecer?”. “Como vamos nos acostumar sem o seu sorriso e a sua alegria?”. Eram algumas das frases que iam chegando através das redes sociais. E como reagir a uma notícia dessa? Como falar para a mãe que sua filha morreu em um acidente? Eu também não sei.

Ao chegar lá, encontrei uma multidão velando o seu corpo. A maioria de jovens como ela. Desolados pelo acontecimento e envolvidos numa comoção profunda. Pedi licença à família, coloquei a estola roxa, e convoquei a todos para um momento de oração. “Tragédia”. Assim comecei a minha fala. E, mais uma vez, fomos buscar na fé o consolo que só Deus pode dar nesse momento.

A cada oração, senti que os corações iam se acalmando. A dor, em muitos momentos da vida, precisa ser vivida interiormente. Não adianta gritar, chorar, desesperar, revoltar. Não se muda o que aconteceu. Mas, no silêncio do momento da oração, sentia-se uma dor partilhada de alma em alma. E todo o sentimento emanado daqueles corações recaía sobre a mãe que, sentada ao lado do corpo da filha, era só sofrimento.

Assim amanheceu e anoiteceu aquele dia frio e sem cor. Duas famílias enlutadas e uma multidão chorando os seus mortos e se perguntado: “Por quê?”.

A vida é curta demais e muito frágil. Por isso é tão importante que a humanidade saiba viver intensamente esse mundo que passa, mas sem perder de vista aquilo que é mais importante: “Tocar o que não passa”. Há sempre uma oportunidade de se ter o Eterno perto de nós. Isso a fé consegue nos dar. Um sentido maior para a dor e o sofrimento.

Dias desses, participando de uma aula sobre a condição humana, foi nos apresentado um texto de uma filosofa chamada Hannah Arendt. Em uma de suas reflexões encontramos essa frase: “Os homens, embora devam morrer, não nasceram para morrer, mas para começar”.

E foi assim que terminei esse dia. Pensando sobre os recomeços que a vida nos dá e sobre o que se tem de vida depois dessa vida. Apesar de tudo, vale a pena buscar sentido em Deus e descobrir que a esperança também nos torna imortais.