“Tudo o que é meu é teu”

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Fechei a porta da sala. Estava sozinho em casa. Passei pela capela e agradeci pelos últimos dois dias vividos e pelas missas rezadas. Não sabia ao certo quantas pessoas havia encontrado pelos lugares por onde passei nas últimas horas, mas foram muitas. Algumas conhecidas, outras não. Mas todas fizeram parte desse meu caminho e foram importantes para mim. O cansaço físico gritava em meu corpo, mas a minha alma levitava de alegria. Estava vivo, isso é simplesmente fantástico.

O Evangelho do domingo trouxe-nos a parábola do “Pai Misericordioso”. Durante muitos anos conheci esse texto como o “Filho Pródigo”, mas foi ficando claro para mim: o centro não era o Filho mais Novo, esse saiu de casa e se perdeu pela vida; muito menos o Filho mais Velho, que ficou em casa e se perdeu em sua rotina de trabalho. O centro mesmo é o Pai, generoso, sofrido, sábio, com um coração pronto a acolher o que voltou e a dialogar com o que não saiu.

São duas ações primordiais para a nossa sociedade de hoje. Falta muito diálogo entre nós. Não nos escutamos mais. A maioria fala, grita, coloca para fora o que pensa, mas não escuta o outro. Tem uma enorme dificuldade em perceber que a sua voz será ouvida quando, depois da fala, silenciar para escutar o que o outro tem a dizer. Só aí é que pode haver um consenso.

Aliás, a palavra consenso traz como significado a capacidade de entender o outro, de sentir o que o outro sente, perceber as nuances da fala que está escutando e captar a lógica desse pensamento. É raciocinar com prudência e sensatez. Mas fazendo tudo isso junto. Não se entra em consenso sozinho. É preciso ter disposição e abertura para o diálogo, para o entendimento e para o respeito com a outra pessoa que está ao seu lado.

Vivemos um tempo de polarização. Há muitas diferenças ideológicas entre nós, e isso pode ser bom. Cria-se comunicação, desenvolve-se a inteligência, descobrem-se novos caminhos. É bom existirem pensamentos discordantes. Mas não significa que precisam gerar conflitos, divergências, brigas. É preciso ter bom senso e dialogar sempre. Isso poderia resolver muitos problemas entre nós.

A falta de acolhimento do Filho mais Velho para com seu irmão mais Novo, que estava retornando para casa, fica muito clara na indisposição em querer dialogar com o Pai. Não queria ouvir o porquê o Pai resolveu dar uma festa para receber o irmão que volta. Fez um monte de acusações infundadas e, por vezes, até infantis. Deixou de ter razão e passou a se comportar como um menino mal-educado, que, por não conseguir o que quer, joga-se no chão e chora escandalosamente. A forma que ele encontrou de punir o Pai, por acolher o irmão que voltava, foi não participar da festa.

Há muitos assim hoje. Adultos com comportamentos pueris. Não amadureceram o suficiente para enfrentarem os seus problemas e colocam a culpa pelas suas frustrações sempre nos outros. Não crescem em sabedoria e muito menos em graça. Ficam estagnados em seus próprios males. Tornam-se duros com os outros e consigo mesmos. Não conseguem rezar com leveza e naturalidade. Condenam mais do que acolhem. Esbravejam mais do que abençoam.

No meio de toda essa confusão, tentando refazer uma conciliação, encontramos o Pai Misericordioso. Acolhe o que chega, dá roupa nova, sandálias, anel, festa. E tenta convencer a entrar para casa o que emburrou no quintal, e diz, com o coração carregado de amor, mas com o misto de alegria pelo que voltou e de dor pelo que não se alegrou: “Meu filho, tudo o que é meu é teu”.

Essa frase ficou mais tempo se demorando em meus pensamentos, no final desse fim de semana longo e cheio de trabalho. “Tudo o que é meu é teu”. Ao descobrir a missão do Pai em querer unir novamente os dois irmãos, percebemos a generosidade de Deus em nossas vidas. A ponto de dar tudo para nos ver bem, em paz. É justamente por isso que Paulo diz à comunidade de Corinto: “Em nome de Cristo, vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus”. É uma súplica que brota da alma, do pensamento e do coração daquele Pai que nunca tem um pouco de descanso, pois sempre está preocupado com um ou com o outro.

Dormi sentado diante do Santíssimo, na capela de casa. Não foi por muito tempo. O suficiente para repousar do cansaço e retomar as forças para um banho rápido, arrumar a cama e dormir um sono profundo.

Temos muito a fazer em nosso caminho de conversão. Às vezes, o acolhimento ao outro e a abertura ao diálogo podem facilitar esse caminhar. Não devemos ter medo do diferente. Basta ter respeito, paciência e humildade em descobrir que nem sempre estamos com a razão. Amadurecer na vida é também construir uma fé inteligente, capaz de participar, com o coração sereno, da festa que o Pai está dando para o irmão rebelde que retornou. É preciso transformar esse mundo repleto de confusões e deixar Deus preparar uma grande festa para todos os seus filhos.