Tecer cobertores e consciências

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

                                                                        

Às vezes, é difícil sorrir para a vida. Principalmente quando vamos ficando mais limitados e não conseguimos cumprir com facilidade os afazeres do dia a dia. Raramente nos preparamos para a chegada desse momento. Vamos protelando a reflexão sobre o envelhecimento, fingindo para nós mesmos que ainda damos conta de cuidar da nossa vida, fingimos que está tudo bem mas, sabemos que não está.

Durante as visitas aos enfermos e aos idosos da paróquia, tenho me deparado com vários tipos de situações que têm me ajudado a pensar na minha própria vida. É bom ter um olhar atento, que nos dá a possibilidade de analisar, através da experiência dos outros, de como está o ritmo do nosso próprio envelhecimento.

Outro dia, chegamos à casa de uma senhora com mais de noventa anos. Sua nora nos acolheu com muita educação. O quintal arrumado, a casa em ordem e ela já estava preparando o almoço. O cheiro das panelas no fogo invadia toda a casa, dando a sensação bem familiar de estar na casa da nossa mãe. Levou-nos até o quarto onde estava a senhorinha toda enrolada em diversos cobertores. No pequeno trajeto até o quarto, contou-nos que antes de ficar doente, a sogra ia sempre à missa e ajudava muito nos grupos da paróquia.

Quando entramos no quarto, deparamos com uma mulher miudinha, com os cabelos branquinhos todo alvoroçado, olhos brilhantes e sorriso fácil. Sentou-se na cama, tentando tirar todos os cobertores que a enrolava e disse com a voz pueril, de quem acabou de fazer arte e foi descoberta: “Hoje, levantei cedo, tomei meu café e, como estava frio, voltei para a minha cama. É bom ficar aqui no quentinho”. E ria alto da peraltice que a idade lhe permitia fazer. Ríamos juntos vendo a alegria dela.

Conversamos sobre muitas coisas, rezamos e recebeu o Sacramento da Unção dos Enfermos. Vez em quando, arrumava as mangas compridas do pijama rosa, e, do nada, cortava a nossa conversa e a nossa reza para falar mais uma vez sobre o friozinho da manhã e a sua cama quentinha. Conseguia transmitir com sua voz a alegria de poder aproveitar do prazer de ficar um pouco mais descansando no seu quarto.

Mas nem sempre é assim. Há dias que encontramos alguns idosos pesarosos e mal-humorados com a sua velhice. Não estão confortáveis com os limites da idade e, ficar um pouco mais na cama, aproveitar o cobertor quentinho, tomar tranquilamente o café servido na mesa, esperar o almoço ficar pronto, parecem ser um crime. Há sempre algo que precisa ser feito, um trabalho a ser realizado, uma ordem a ser dada, senão as coisas não ficam bem.

Acredito que é preciso estar preparado para o dia em que, despreocupadamente, podemos tomar o café, voltar para a cama e nos enrolar novamente nas cobertas. O engraçado é que passamos a vida toda sonhando com esse dia, mas, quando chega a nossa vez, parece que o mundo está nos olhando e condenando as nossas atitudes. Quando não aceitamos os limites da idade, acabamos por deixar a nossa vida, e a vida das pessoas ao nosso redor, mais pesadas.

Já me deparei com idosos que não aceitam ajuda. Já visitei uma família onde um parente trouxe para a sua casa o senhor idoso que morava sozinho e que precisava de muitos cuidados. Deu-lhe um quarto, roupa limpinha e cheirosa, comida feita com carinho, ajudava no banho, trocava os curativos de suas feridas abertas, mas ouvia sempre que, quando ele estivesse melhor, voltaria para a sua casinha, pois ainda conseguia cuidar sozinho de si mesmo. Ficaria ali até a chegada do resultado dos exames médicos que fizera, depois ele mesmo pegaria suas coisas e iria embora. A mulher, que estava cuidando dele, aprovava essa decisão com a cabeça, mas sabia que a casa dele, agora, era ali mesmo. Teria um longo caminho de aceitação e resignação.

Sofre o idoso e sofre o cuidador. Um, com a intenção de não querer dar trabalho para ninguém, recusava os cuidados que recebia. Já o outro, querendo retribuir todo o bem que aquele idoso já fez em sua vida, pois vinham de uma família sem muitos recursos, e, na infância, foi amparada por ele, não conseguia agora retribuir o cuidado e o carinho como forma de agradecimento. A vida sempre fica mais difícil quando não cuidamos ou não nos deixamos receber cuidados.

Há ainda outra história. Essa, de um velório que eu fui dias desses, e que era de uma senhora que faleceu com cento e dois anos incompletos. Uma vida longa e bem vivida. Ao redor do esquife enfeitado com flores, estavam os parentes mais próximos e alguns amigos. Rezamos juntos e agradecemos a Deus os anos de vida que o Senhor lhe concedeu e pedimos que Ele a acolha no Paraíso, dando-lhe o descanso eterno.

Quando terminou a oração, eu me despedi dos familiares e, na saída do velório, disseram-me que era uma mulher alegre, que gostava de festas e que não perdia um carnaval. Falavam dela com muita paz e muita leveza, como deve ser a história de uma pessoa que viveu bem os seus dias nesta terra.

E nós? Como estamos escrevendo a nossa história de vida? Afinal, tudo passa muito rápido e pode não dar tempo de fazer o caminho mais acertado. Não podemos esquecer que toda a escolha tem a sua consequência. No futuro, para tomarmos o café da manhã e voltarmos para a cama de consciência tranquila, é preciso começar hoje a tecer os cobertores que irão nos aquecer.