Tão jovem

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Fui, à hora da Ave-Maria, quando o céu começava a tingir o horizonte de vermelho e os pássaros voavam em bando, buscando um lugar seguro para passarem a noite, fazer a celebração das exéquias e rezar pelo descanso eterno daquele que completou sua missão nesse mundo. Mas o corpo não havia chegado. Abracei alguns familiares e fui rezar a missa na igreja, prometendo retornar depois.

A missa foi bonita, como todas as missas são bonitas. Sem instrumentos musicais, mas com vozes cantando louvores ao Senhor. “Senhor tenha piedade de nós”, cantamos com o coração pesaroso pelos erros cometidos. A certeza da misericórdia de Deus nos enche de ânimo. Deus sempre atende um coração arrependido.

Há, no mundo de hoje, certo desinteresse em realizar o exame de consciência. Talvez, para muitos, seja difícil descobrir que errou em algumas escolhas. Mudar o rumo da vida, emendar-se, deixar o mal e buscar o bem, não é tão fácil assim. Exige coragem e humildade em reconhecer que não somos tão bons assim, e é preciso contar com o arrependimento e com a misericórdia divina. Há outras formas de viver a vida, há outros caminhos bem diferentes dos nossos, e que podem ser uma opção mais acertada.

Logo na primeira leitura da missa, carta aos Gálatas, ouvimos que “é para liberdade que Cristo nos libertou”. Mas que maravilha essa percepção de Paulo em nos levar de volta à raiz do problema: é preciso deixar a escravidão do pecado. Somos livres e a liberdade é um bem muito precioso.

A liberdade nos deixa preparados até para assumir a condição de sermos cristãos. Ser de Cristo, fazer parte da Igreja, ser católico, tudo isso não se faz por obrigação. Somos livres até para escolher Deus como caminho, verdade e vida. Não há obrigação. Há, sim, liberdade.

A missa terminou. A noite já ia avançada e uma lua linda reinava no céu escuro. Dava para ver algumas estrelas. Os pássaros, já se aquietaram, dormindo em algum lugar ali por perto. Voltei ao velório. Uma multidão também estava ali. “Padre, o corpo ainda não chegou”, disse-me alguém com a voz baixinha, como se pedisse perdão por essa demora. Outro veio e explicou: “É porque ele quis doar os seus órgãos que estavam bons. E com isso tiraram as duas córneas para transplantar em outras pessoas”.

Esse era um desejo dele. Liberdade. Ajudar mesmo depois de morto. Mas, quem disse que a morte é o fim de tudo? Claro que não. A morte é onde tudo começa. É onde a vida se torna plena.

“Já está perto. Passou a cidade vizinha. Logo estará aqui”. E as pessoas começaram a se aproximar. O meu coração parecia que batia na boca do estômago. Acho que era emoção. A esposa e os amigos estavam vestidos com a camisa do time do coração. Uma bandeira também, ainda dobrada, estava ali para ser colocada sobre o caixão. Parece que também foi um pedido dele. Preparou-se para morrer. Houve muitos dias de sofrimento e parece que a cura chegou quando os órgãos vitais pararam.

“Morreu tão jovem”, lamentou uma senhora ao meu lado. “Deixou dois filhos pequenos. E agora, como vai ser?”. Realmente a morte nos assusta. E deve ser assim mesmo. Até Jesus chorou a morte de seu amigo Lázaro. E se o Senhor chorou, porque não podemos nós chorar também? Afligir-se faz parte desse ritual. A finitude da vida se torna ainda mais evidente diante de um jovem que perde a vida. Faz lembrar que somos pó, não pertencemos a esse mundo e isso nos deixa confusos.

De repente, depois de uma longa espera, o corpo chegou. Teve ali o início de um ritual fúnebre. A lua, vistosa e faceira, deixou-se esconder por uma nuvem. Algumas pessoas foram ajudar a levar o féretro para o lugar preparado ao lado das flores, das velas e de uma estampa de Jesus batendo à porta.

Choros, lamentação, orações. “Eu acreditava que ele iria melhorar”, disse alguém com a voz embargada. Esperei um pouco a família ir até o falecido. Esperei os amigos chorarem ao lado do seu corpo sem vida. Esperei a mãe olhar o filho coberto de flores. Esperei a esposa que, em silêncio, com o olhar baixo, ouvia os filhos brincando do lado de fora do velório, como se nada tivesse acontecendo. A tristeza nem pediu licença. Entrou e tomou conta de todos os que ali estavam.

Iniciei a celebração. Um silêncio respeitoso e sincero envolveu o ambiente. Cantamos, ouvimos a Palavra, rezamos. É preciso liberdade até para morrer. Lutar para quê, quando a doença é mais forte que o tratamento? Revoltar-se por quê? Se não pertencemos a esse mundo. Somos feitos para o céu e o próprio Senhor prepara o nosso lugar e, no momento certo, vem nos buscar.

Terminamos as orações e as crianças continuavam brincando do lado de fora, alheias à dor e ao sofrimento dos adultos. Olhei pela janela e vi um jovem chorando. Um rapaz de vinte e poucos anos. Não conseguiu conter as lágrimas. Talvez estivesse ali para homenagear o amigo que faleceu também muito jovem. Tinha só vinte e nove anos de vida e deixou esposa e dois filhos pequenos.

Não sofre mais. Não sente mais as dores que a doença lhe dava. Agora está livre do sofrimento. Tão jovem. Que receba o descanso eterno e, pela misericórdia de Deus, descanse em paz.