Lembro-me de que, na escola em que estudei na minha adolescência, quando faltava um professor, a diretora trazia uma professora substituta e alguns temas para redação. Um deles foi: “O trabalho dignifica o homem, mas o homem não pode só trabalhar”. Fiz a minha redação e foi selecionada para o livro da escola. Falava da importância do trabalho, mas, agora, consigo entender melhor o que eu ainda não tinha claro, tentava explicar que tudo precisa ter um objetivo. Realiza-se uma ação com um sentido para aquilo e, mesmo com muita coisa a ser feita, é preciso também respeitar o momento de descanso.
Hoje, penso no meu trabalho como padre e em tantas pessoas que me ajudam na pastoral paroquial. Os últimos dias foram cheios de trabalho. Há momentos em que a missão se apresenta mais pesada. Tudo vai acontecendo e nem sempre sai como planejado. Mas, no fim, tudo dá certo. É o grande abismo entre o ideal e o real. Trabalhamos naquilo que precisa ser feito e depois avaliamos o que deu para fazer. O bom disso tudo é que Deus nunca nos abandona e, mesmo com muita atividade a ser feita, tudo transcorreu com muitas bênçãos de Deus.
As pessoas que me ajudam, geralmente sabem como a nossa Igreja é rica em detalhes e tudo precisa ser bem feito. A presença de muitos fiéis nas missas mostra o tamanho da responsabilidade em fazer bem o que precisamos fazer, e como é bom chegar em casa com a sensação do dever cumprido.
Deitar na cama, depois da oração da noite, e rememorar cada compromisso realizado, cada missa rezada, cada pessoa vista, cada conversa concluída, é realmente muito gratificante.
Mas, de repente, você é lembrado que nem tudo saiu do jeito planejado. O cansaço atrapalhou o desempenho, os dias de frio e calor trouxeram um mal estar no corpo, as palavras ditas de maneira rude feriram um pouco o coração. Nem tudo é perfeito. E, aí vem à mente o evangelho de Jesus que diz: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’”.
É muito interessante ver Deus nos colocando em nosso lugar. As pessoas estão elogiando? Mas, lembre-se de que você é servo inútil. Conseguiu cumprir tudo o que foi planejado? Mas, lembre-se de que você é servo inútil. Está querendo descansar depois de várias horas de trabalho? Mas, lembre-se de que você é servo inútil.
Ser um “servo inútil” não é necessariamente menosprezar tudo o que você fez ao longo do dia, avaliando como algo sem qualidade. Pelo contrário. “Servo inútil” é aquele que faz bem a sua missão. Traz a sua humanidade e expõe sem medo de ser analisado, afinal: “quem nunca errou que atire a primeira pedra”.
Ser um “servo inútil” é lembrar que Deus é o dono da messe. É Ele que tem o projeto perfeito para a nossa vida e está à disposição para nos ajudar a colocá-lo em prática.
E quem somos nós? Somos pessoas que se dispõem a colocar os seus dons em favor do Reino. E fazemos isso com amor. Cada um do seu jeito, com os seus limites, mas também com seus talentos e as possibilidades que cada um tem. O bonito é unir tudo isso de modo que o lugar da missão seja de ajuda e de respeito, de paciência e compreensão.
O refrão do salmo, num domingo desses, trazia um resumo de quem é Deus. Talvez esse resumo, como cristãos, devesse também ser a síntese da nossa missão. “O Senhor é bondoso, compassivo e carinhoso”, dizia o salmo. O texto sagrado trazia uma série de predicados positivos do que Deus faz conosco. Perdoa nossos pecados, salva nossa vida, cerca cada um de nós de carinho e sente o nosso sofrimento.
Nós, “servos inúteis”, devemos assumir essas características divinas que foram disponibilizadas a todos os seres humanos. O filósofo Jean-Jacques Rousseau, na sua teoria sobre a essência humana, diz que o homem nasce bom. Podemos dizer que todo homem é bom, assim como Deus é bom. Por isso, não é possível cultivarmos a maldade dentro de nós. Não podemos deixar que os pensamentos negativos, as pequenas coisas que não deram certo, a influência de quem não aceita olhar o mundo pela ótica do amor, povoem a nossa mente e o nosso coração. Há muitas coisas boas acontecendo agora. Há muita gente boa ao nosso redor. Há uma corrente do bem movimentando a vida. Temos que estar atentos a isso.
A compaixão, que brota do olhar de Deus sobre cada um de nós, não vem sozinha. Ela é acompanhada do carinho, do afeto, da gratidão. Sentir o outro, saber como ele está, respeitar os seus limites, levantar a sua autoestima, elogiar o seu esforço, é também ter um olhar de compaixão. É fazer das nossas relações mais próximas o lugar ideal para florescer o evangelho de Jesus. É encontrar uma terra fértil para o amor criar raízes.
A grande maioria de nós ama o que faz. O que falta, talvez, é lembrar que, depois de fazer tudo com amor, “somos todos servos inúteis”. Afinal, por mais que tenhamos pensado em tudo, o Senhor faz acontecer tudo como bem lhe aprouver.
Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal