Para onde vais?

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

                                                                Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

                                                                       

 

A doença apareceu de repente. Não pediu licença para entrar em sua vida. A princípio parecia um problema simples, mas com o passar do tempo foi se agravando até evoluir para uma cirurgia. Passou por todos os procedimentos necessários. Enfrentou a situação com fé e coragem. Teve a ajuda da sua família, sempre ao seu lado. Seus irmãos acompanharam todo esse drama. Rezaram juntos, planejaram o futuro, deram todo o apoio desde o início.

Fui visitá-los algumas vezes. Na última vez a encontrei na cama, recuperando-se do seu tratamento. Mas estava alegre, conversando com vivacidade e, quando cheguei, foi logo sentando na cama, demonstrando que estava dando certo toda aquela luta pela restauração da sua saúde.

Depois de rezarmos juntos, ela me disse que assim que estivesse melhor iria marcar com suas irmãs um almoço para mim. Rimos com o coração cheio de esperança e fui embora com a certeza de que voltaríamos a nos encontrar, quem sabe no almoço prometido. Mas a vida, às vezes, não se importa com os nossos projetos. Faz o que deve ser feito. Vai apresentando o caminho e vamos tentando entender as surpresas que ela mesma nos apresenta.

Algum tempo depois, quando cheguei em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, chegou a notícia de sua morte. Passou mal em casa, foi levada ao hospital e constataram que o seu cérebro estava com hemorragia. Chamávamos, no passado, de “derrame”. Não suportou esse último golpe do seu organismo e veio a falecer.

Na minha cabeça, um turbilhão de pensamentos emergiu sem controle. Há alguns anos eu também passei por uma situação muito parecida. Uma amiga muito querida e cheia de vida sofreu um acidente vascular cerebral hemorrágico e depois de algumas semanas no hospital faleceu, com cinquenta anos de idade.

Pude acompanhar de perto essa situação e sofrer com a família a cada boletim médico que chegava sem dar muita esperança.

Certo dia, Jesus, como relata no evangelho de São João, disse assim aos discípulos “Não se perturbe o vosso coração! Tenha fé em Deus, tenha fé em mim também. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu vos teria dito, pois vou preparar um lugar para vós”. Ele estava se despedindo dos seus amigos. A sua paixão e morte estava se aproximando, mas os seus companheiros não estavam percebendo.

Foi Pedro que desconfiou que o Senhor fosse deixá-los e perguntou: “Senhor, para onde vais?”.

É justamente essa pergunta que ficou rondando os meus pensamentos. Para onde vais? Temos ainda tanta coisa para fazer. Tantas conversas que ainda não aconteceram. Tantas orações que poderíamos rezar. E o almoço? Não deu tempo de organizarmos.

Fui ao velório com o coração entristecido. Era muito querida por todos, família, amigos, comunidade paroquial. Mas, mesmo diante da tristeza, o pedido de Jesus em não deixar o coração perturbado, falava mais alto. Há esperança diante da morte. Esperança na vida que continua na eternidade. Esperança de que lá não haverá mais dor e choro. Esperança de que todos têm essa oportunidade e que nos encontraremos um dia na glória.

Nesse diálogo da despedida, depois de falar sobre as coisas do céu, disse Jesus: “E para onde eu vou, conheceis o caminho”. Tomé, aquele que precisa ver para crer, ficou muito pensativo sobre essas palavras do Mestre. Não conseguia entender qual mesmo era o lugar que ele iria e perguntou: “Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?”.

Talvez esteja aqui a compreensão para esse momento de dor, quando morre alguém muito próximo de nós. Não sabemos o caminho. Perdemos a referência do cuidado, do carinho, da ajuda à pessoa que se foi para nunca mais. Como vamos dar continuidade a nossa vida se a vida do que morreu era entrelaçada a nossa? Como serão os dias a partir de agora?

A referência, meus amigos, para esse momento de luto é sempre Jesus Cristo.

O Senhor olhou fixamente nos olhos de Tomé e disse com voz firme: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. É como se estivesse dizendo: “Tomé, você sempre esteve comigo, como não sabe nada sobre mim? Como não percebeu ainda que eu vou, mas não abandonarei vocês? Como ainda não encheu o seu coração de esperança na vida eterna? Eu mesmo irei preparar um lugar para você. Confie em mim.”

Cheguei ao velório e encontrei a família e os amigos ali, velando o seu corpo. Duas irmãs estavam sentadas ao lado do esquife, enfeitado de flores. Uma delas, quando me viu, levantou-se, abraçou-me e, antes que eu falasse alguma coisa, disse com a voz embargada: “Ainda vamos marcar o nosso almoço”.

A vida para quem crê não termina nunca. Mesmo diante do luto, há vida cheia de esperança num mundo novo.

Ficaremos com a saudade, mas sabemos que estamos aqui de passagem. O nosso Caminho, a nossa Verdade e a nossa Vida, já nos garantiu um lugarzinho no céu, junto d’Ele. Basta viver intensamente a nossa vida nesse mundo. Basta buscar e fazer o bem. Acreditar e ter fé. Afinal, Deus continua sendo bom, mesmo quando tudo ao nosso redor se enche de tristeza.