Os primeiros raios da manhã

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Confirmei o número da casa, para ter certeza de que estava no endereço certo, e bati palmas esperando se alguém vinha me receber. O primeiro que apareceu foi o cachorro, com um latido cansado e rouco, veio dando as boas vindas. Logo a porta se abriu e uma senhora me convidou para entrar. No olhar percebi a alegria pela minha chegada, mas também a fadiga das noites e dias sem dormir direito, devido ao cuidado com o seu esposo, que, sobre uma cama hospitalar, ocupava quase todo o espaço da sala de entrada.

Ouvi com muita atenção os relatos que ela me contava sobre a enfermidade do marido e percebi a sua emoção quando disse com a voz embargada: “Ele sempre trabalhou muito na roça. Agora está aqui nessa situação”. Aproximei-me daquele senhor franzino, disse que estava ali para dar-lhe uma bênção e se ele aceitava rezar comigo. Foi o único instante em que abriu os olhos e consentiu com a cabeça, dando-me autorização para iniciar a oração.

Rezei a Deus, pedindo a cura ao seu corpo e serenidade à sua alma. Dei-lhe a unção com o óleo do Sacramento dos Enfermos e fiquei um tempo em silêncio, olhando para ele e tentando entender os mistérios da vida. Aproveitei e também dei uma bênção para aquela senhora que tem agora, como missão, cuidar do seu esposo, dia e noite.

Na sala, o sofá e as poltronas foram substituídos pelas camas dele e dela. Apenas uma estante com a televisão, alguns objetos de decoração, porta-retratos e pequenas imagens de santos ajudavam a recordar que aquele cômodo já teve outra utilidade. Reconheci em algumas fotos o ambiente da nossa igreja ao fundo. Épocas felizes eternizadas pelo tempo e, agora, sendo testemunhas desse momento de dor e sofrimento. A vida é realmente um mistério.

A imagem de Santa Rita num cantinho e, no outro, São José com algumas outras imagens que não consegui decifrar, faltou-me tempo, mas demonstrava a religiosidade da família e suas devoções.

A fé nos faz mais fortes. Ajuda-nos a permanecer de pé na hora das dificuldades. Faz com que ultrapassemos os limites físicos e psíquicos, levando-nos a cumprir a nossa missão, não importando se estamos no lugar do enfermo ou do cuidador. E fé sempre cumpre o seu papel em nos levar para além de onde estamos, revestindo-nos de vestes de esperança.

Saí daquela casa humilde carregando comigo o olhar profundo daquela senhora. Ouvi os seus agradecimentos pela minha visita, mas, no fundo do meu coração, eu que agradecia por me mostrar, sem ilusão e sem fantasia, a realidade nua e crua da vida. Naquela casa, o sentido da existência é testado no amor, na renovação diária da fidelidade, na dor estampada nos olhos, nos sonhos que foram guardados para dar lugar à realidade, na fé em Deus. Ali não há tempo para perder com futilidades. Não há preocupação com fofoca do dia ou inveja das pessoas. Há apenas cuidado e a crença num Deus que é, antes de tudo, misericordioso.

Quando entrei no carro para dar continuidade às minhas visitas, recordei de uma viagem que fiz há muito tempo. Morava em Roma para estudos e, com um pequeno grupo de padres, fui para à Região da Puglia, no sul da Itália, mais precisamente nos municípios de Monte Sant’Angelo e de San Giovanni Rotondo.

Engraçado esse fato surgir em meu pensamento do nada. A princípio, não encontrei relação dessa viagem com a visita que tinha acabado de fazer. Mas logo lembrei-me da emoção em, no Monte Gargano, município de Monte Sant’Angelo, celebrar uma missa na gruta milenar, onde, conta a história, apareceu ali São Miguel Arcanjo e pediu que fosse erguido um Santuário em sua homenagem.

Depois dessa visita, voltamos ao carro e fomos até San Giovanni Rotondo, onde viveu e está sepultado São Padre Pio. O corredor dourado, que nos levava à sua cripta, foi me preparando para o momento de estar diante do corpo do Santo. Resplandecia em meu corpo o dourado dos mosaicos e das luzes penduradas naquele ambiente. Tornei-me mais um peregrino emocionado por tamanha santidade que emanava daquele lugar.

Há muitos lugares sagrados no mundo e, muitas vezes, estão mais perto de nós do que imaginamos. Naquela casa simples, rezando com o senhor enfermo e sua esposa, percebi que Deus também se fazia presente através da oração sincera daquela mulher, do sofrimento daquele homem e da esperança em dias melhores que só a fé pode proporcionar.

No final dos trabalhos daquele dia, depois de rezar a missa, voltei a me recordar daqueles dois e a imaginar como estariam. Ela me disse que não dormia para poder ajudá-lo quando se engasgava e não conseguia respirar. Precisava estar atenta.

Eu, atento na oração, fechei os olhos e voltei à Gruta de São Miguel Arcanjo e ao túmulo do Padre Pio, pedindo a eles a intercessão para aquela família. Que a noite lhes seja leve e os primeiros raios da manhã os encontrem bem e descansados para viverem mais um dia sustentados pela fé e pela misericórdia de Deus.