Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Ele chegou cedo para ser atendido. Um dia antes, sua catequista, a pedido da família, havia agendado essa conversa. Não perguntei sua idade, mas não possui mais que dez anos de vida.
Menino inteligente e esperto, devido a alguns problemas que a vida lhe impôs, não mora mais com seus pais, mas com o seu irmão mais velho, de quem recebe muito carinho e cuidado. Mesmo assim, às vezes, sente uma tristeza no peito e vem uma vontade de chorar.
Sentou-se na minha frente e depois de poucas perguntas começou a falar de si, da sua história e de como está vivendo hoje. Muito vivaz, em alguns momentos parecia gente grande conversando. Devido a sua história, aprendeu a ser mais maduro e a confiar nas pessoas que querem ajudá-lo. Isso facilitou muito a nossa conversa.
No final, coloquei-me à disposição para ajudar no que fosse preciso e para conversar novamente, quando sentisse vontade. Dei a ele de presente um terço. Senti seus olhos brilharem de alegria e saiu todo feliz com o terço nas mãos. Eu fiquei ali refletindo sobre a vida dessa criança e o sagrado que habita em nós.
Há no peito de cada ser humano um espaço reservado para que Deus habite. Um lugar preparado para receber o que há de mais sagrado e que, sem sabermos bem o motivo, deseja alojar-se no coração humano. Apenas sabemos que Deus quis que fosse assim. Talvez fosse uma forma de fazer morada em nosso ser, sem incomodar, afinal o espaço já está ali, pronto para recebê-Lo.
Sendo assim, portadores do Sagrado em nós, acabamos adquirindo uma habilidade de sermos bons, como Deus é bom. Há, em cada ser humano, uma capacidade de possuir um desejo sadio pelo bem e pela paz. E isso ajuda muito em nossa vida, pois a todo momento somos testados e precisamos fazer nossas escolhas.
Essa proximidade com Deus nos torna cada vez mais preparados para enfrentar as dificuldades que a vida nos impõe. Afinal de contas, viver é sempre uma arte e todos os dias precisamos nos preparar para enfrentar o que é previsto e também os imprevistos.
É muito triste ver uma criança já enfrentando os problemas da vida. Mas, por outro lado, como é bom ver a aptidão humana de tentar encontrar saídas para as dificuldades. Há uma beleza natural na alma humana. Uma leveza que, apesar dos pesares, faz de cada um de nós pessoas especiais. Mesmo sem entender direito, acabamos atraídos para o Eterno que habita em nós, e nos ajuda a desvendar os mistérios deste mundo.
Existem muitas pessoas que, por algum motivo, não possuem mais essa proximidade com o Criador. Acabam se distanciando da espiritualidade e deixando sem cuidado a morada reservada para o Sagrado, que está em seu coração. Esse vazio deixa a vida mais pesada e confusa, pois tentam de tudo neste mundo para sanar essa ausência, mas não conseguem. Nada pode ocupar esse vazio, a não ser o próprio Deus.
Por isso, a importância de uma espiritualidade sólida e madura. Não se faz religião apenas de faz de conta, sem compromisso e sem esforço. Não se encontra Deus em rituais mirabolantes, nos quais apenas privilegia a emoção. É preciso ter uma fé racional, que nos leva a Deus também pela inteligência. Uma fé assim tende a ser mais madura e equilibrada.
Aquele garoto, de alguma forma, já sabe disso. Dá para sentir o seu esforço em querer acertar nas escolhas, mesmo que ainda não seja dono de sua própria vida, pois depende dos parentes e amigos, mas ele percebe onde precisa ancorar o seu coração. É atento aos conselhos e aberto ao falar de si. Mas é ainda uma criança e precisa de ajuda.
É muito interessante perceber isso nos pequenos, pois temos a impressão de que eles ainda não sabem direito o que querem da vida. Por outro lado, engana-se quem pensa assim. A capacidade de buscar o Sagrado já está contida em nós desde o nascimento.
Há na humanidade uma busca natural por Deus. É como sentir sede e fome. Há também uma necessidade fisiológica e espiritual pelo Sagrado. E é realmente muito triste ver algumas pessoas se afastando cada vez mais daquilo que nos leva ao eterno.
Por isso, sejamos mais honestos conosco mesmos e com a nossa busca de Deus. Não se pode negligenciar essa necessidade de se ter uma espiritualidade forte. Leia mais a Palavra, vá à missa, reze o terço, faça suas orações e seja bom com os outros.
Hoje, pela manhã, celebrei uma missa só para os homens da paróquia. Igreja cheia e se via claramente uma sinceridade nessa procura por Deus em cada um deles que ali estavam. No final da missa, encontrei o menino com o seu irmão. Fiquei feliz de ver os dois ali. Perguntei do terço, imediatamente ele levou a mão ao bolso e o retirou como se mostrasse um troféu.
É assim que vamos construindo pessoas fortes. Não pense você que basta apenas estudo, roupa e comida. O ser humano precisa de uma estrada aberta para encontrar o Sagrado que habita em si. É preciso estar pronto para ajudar alguém a descobrir a maravilha de se estar vivo. O mundo é bom. Para que seja melhor ainda basta desvendar os mistérios do amor de Deus em nós. E isso é possível.