Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Chegou com os olhos vermelhos, sentou-se em minha frente e começou a chorar. Não conseguia conter as lágrimas que teimavam em cair pelo seu rosto. Com a voz embargada disse que há alguns meses iniciou um tratamento contra o câncer. Os médicos ainda não decidiram quando será a cirurgia, mas em breve passará por esse procedimento. Mas o que a trouxe aqui para essa conversa não foi a preocupação consigo mesma. Quando descobriu sua doença, sua filha resolveu ir ao médico e, depois de alguns exames, descobriu que também estava com o mesmo diagnóstico da mãe e precisaria passar urgente por uma cirurgia. O seu coração materno deixou de pensar em si mesma e passou a se preocupar com a filha.
Essa senhora já estava com outra pessoa da família em tratamento pela mesma doença e tudo isso a consumia em aflição. Suas orações transitavam entre súplicas e temor, resignação e repúdio. “Por que Deus está fazendo isso comigo?”, questionava. É a grande pergunta que, às vezes, surge no coração de uma pessoa que tem fé. E, vamos ser sinceros, é uma pergunta legítima de se fazer, e traz consigo uma resposta difícil de alcançar. Por que Deus permite tanto sofrimento em nossas vidas?
A reflexão que mais me conforta diante dessa dúvida é saber que Jesus, enquanto estava aqui feito homem nesse mundo, também passou pela dor e pelo sofrimento. Desde a sua concepção até sua morte de cruz, não teve uma vida fácil, como um Filho de Deus deveria ter. Chamava Deus de Pai e, na hora do seu maior sofrimento, quando estava sendo maltratado e torturado pelos soldados, no alto do monte Gólgota, juntou suas últimas forças humanas que seu pobre corpo ainda possuía e gritou: “Pai, por que me abandonastes?”.
Essa sensação de que Deus nos abandou talvez seja a causa do maior sofrimento do ser humano. A proteção que recebemos daqueles que nos amam faz de nós pessoas fortes, gerando uma segurança interna que nos impulsiona na vida e, apesar dos problemas que enfrentamos, torna-nos corajosos. Mas, quando sentimos que não há por nós amor, proteção e cuidado, ficamos fragilizados, em muitos casos, revoltados.
Deus nunca nos abandona. Assim como não abandonou o seu filho na cruz, também não se afasta de nós na hora da dor e do sofrimento. Fica ao nosso lado, sofrendo conosco, como uma mãe que, ao ver sua filha enferma, esquece-se dela mesma, das suas dores e dos seus medos, para viver a dor e os medos da filha. Nessa hora é que o amor se concretiza de maneira mais sagrada, pois amar é esquecer-se de si para sofrer a dor do outro.
A maturidade humana nos ensina que há momentos na vida os quais só nós devemos passar. É pessoal e intransferível. Por mais que se tenha alguém ao nosso lado, a dor é pessoal. O outro pode até acalentar, suavizando assim a nossa cruz, mas não pode carregá-la em nosso lugar.
Jesus disse um dia: “Se alguém quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”. Essa proposta de seguimento é a grande novidade que ainda hoje precisamos entender com maior profundidade. A vida é única. Somos interdependentes uns dos outros, mas não conseguimos e nem podemos viver a vida do outro. Quando tentamos fazer isso, acabamos por gerar muito desequilíbrio e muita dor.
Mas, quando entendemos que cada um deve assumir as suas cruzes sem medo e sem revolta, acabamos entendendo que a missão de Deus é caminhar conosco, ao nosso lado, e não em nosso lugar.
Assim, esse entendimento se transfere para outros relacionamentos, como por exemplo: pais e filhos, marido e mulher, irmãos, amigos. Há um respeito mútuo quando procuramos estar com o outro, sem, no entanto, viver a vida do outro. “Tome a sua cruz e me siga”, ensina-nos Jesus.
Disse-me aquela mãe, no final da nossa conversa, que se sentia mais aliviada. Não chorava mais. Pedi que, se possível, trouxesse a filha para que eu pudesse lhe dar uma bênção e assim ela fez. No final daquele mesmo dia, as duas estavam diante de mim. Pude rezar por elas e com elas, dei-lhes a Unção dos Enfermos, e voltaram para a casa confiante no amor e na misericórdia de Deus em suas vidas.
Viver é realmente um grande mistério. É enveredar-se pelas alegrias e prazeres que a vida nos proporciona, mas também é sobreviver nos momentos de desespero e solidão. É por isso que devemos alimentar a nossa fé no Deus da Vida. Acreditar que somos amados e que fazemos parte de um grande plano de amor. Somos protagonistas das nossas próprias escolhas, mas isso não nos isenta dos oceanos de dores que, por ventura, devemos atravessar.
“Navegar é preciso”, escreveu o poeta. E navegar tendo a certeza da presença do amor de Deus em nosso barco é fundamental para uma vida livre e feliz. Sejamos também nós presença amorosa, principalmente junto daqueles que neste momento sofrem e pedem apenas um pouco de atenção e tempo para ouvir as suas dores.