Franciscus

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Acordamos na segunda-feira da Oitava da Páscoa com a notícia de que o Papa Francisco havia nos deixado. A princípio, parecia que não era verídica essa informação. Pois, apesar de sabermos das suas dificuldades com a saúde, tínhamos assistido, no dia anterior, ele falando a sua mensagem de Páscoa a todo o mundo. Mas, conforme o dia foi amanhecendo, fomos vendo que era verdade. A Igreja Católica estava com sua sede vacante. O trono estava vazio. O papa estava morto.

A morte de um papa é sempre um momento para lembrarmos que estamos construindo agora a história universal. É recordar que somos testemunhas oculares e também responsáveis por tudo o que está acontecendo no mundo de hoje. Nessa manhã, um turbilhão de informações surgiu em nossas mentes, trazendo a figura carismática e paterna do Papa. São frases e momentos que Francisco deixará eternizado em nossos corações.

Iniciou com uma polêmica interna. Assim que foi eleito, na sua primeira aparição na sacada da Basílica de São Pedro, inclinou-se e pediu aos fiéis que estavam na praça que o abençoassem. Não era, até então, habitual ver esse gesto de humildade logo na primeira apresentação de um papa. Alguns perguntavam: “Pode um papa fazer esse gesto?”. Mostrou de início o tom que teria o seu pontificado, assim como a escolha do nome “Francisco”, que nos remete a um santo popularmente conhecido pela sua dedicação aos pobres, ao mundo como criação de Deus e à reforma da Igreja.

Uma das imagens importantes, que ficará na mente de muitas pessoas, é a de Francisco sozinho, numa tarde fria e com uma chuva fina, atravessando a Praça de São Pedro para, diante de um crucifixo, rezar pelo mundo que sofria a devastadora pandemia da Covid-19. Era um senhor de idade, já com a saúde debilitada, aparência frágil, que, naquele momento, transmitia a todos uma forte presença de Deus e uma esperança em dias melhores.

Foi, em meio àquela tragédia mundial, um alento a tantas pessoas que sofriam os efeitos da pandemia e que não tinham mais nada a fazer senão colocar a sua esperança no Senhor. O Papa conseguiu, com esse gesto simples e solitário, abraçar a cada ser humano no mundo todo. Suas orações deixaram um rastro de esperança e fortaleza que ninguém, naquele momento, poderia dar, a não ser ele. Foi o pai que a humanidade precisava.

Foi um líder próximo dos que vivem à margem da sociedade e preocupado com o acolhimento de todos. Alertava sobre o cuidado com a “Casa Comum”, e contra a “cultura do descartável”, que, segundo ele, se manifesta em diferentes níveis, desde o descarte de objetos até o descarte de pessoas, especialmente as mais vulneráveis. Essas atitudes, com certeza, causaram estranheza a muitos. Um profeta nem sempre é reconhecido e apreciado pelos seus.

O Papa Francisco foi muito atacado pelas pessoas que estão mais acostumadas a discursos rígidos e autoritários, do que a discursos de inclusão e misericórdia. Mas, quando aprofundamos os estudos dos Evangelhos, encontramos também ali palavras duras contra Jesus. O próprio Cristo disse que “nenhum discípulo é maior que o mestre”.

Com isso, fomos levados, nesses últimos anos de papado, a uma reflexão de um mestre em pastoral que, preocupado com o seu rebanho, falou aos sacerdotes, logo nos primeiros anos do seu pontificado: “Sejam pastores com cheiro de ovelha”.

O fato de ter escolhido morar na Casa Santa Marta e não no aposento papal, de ter andado em carros populares no lugar dos carros de luxo, de ser simples, com vestes simples, não diminuiu a sua dignidade e nem a sua autoridade. Foi o Papa de todos. Suas encíclicas são verdadeiros documentos carregados de relevância para o mundo de hoje. Sua preocupação com o fim das guerras e um mundo de paz fez dele uma das poucas vozes sensatas da atualidade.

No seu testamento, o mundo descobriu, perplexo, que ele não queria ser sepultado na cripta dos papas, na Basílica de São Pedro, mas sim na Basílica de Santa Maria Maior, igreja que sempre visitava para rezar. Sob o olhar da Mãe de Deus, quis repousar os seus restos mortais. Deixou escrito: “O túmulo deve ser no chão, simples, sem decoração especial e com uma única inscrição: Franciscus”.

Também deixou escrito: “O sofrimento que esteve presente na última parte de minha vida eu o ofereço ao Senhor pela paz no mundo e pela fraternidade entre os povos”. E sofreu muito nos seus últimos momentos. Acreditamos que seu sofrimento não foi em vão e seu oferecimento pela paz será ouvido por Deus em favor de todos.

Assim se fecha um ciclo da vida da Igreja. O pontificado do Papa Francisco será ainda muito estudado e, no futuro, será lembrado de como levou a sério o lema que ele mesmo escolheu para o seu papado: “Miserando atque eligendo” (Olhou-o com misericórdia e o escolheu).

Requiescat in pace, Papa Francisco.