Finados

 

 

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Comprei algumas flores de plástico e as levei ao cemitério. Sempre tive pena de ver as flores naturais morrendo lentamente sob o calor forte do sol entre os túmulos. Disseram-me um dia que “viver é o instante entre o nascer e o morrer”, e eu comecei a acreditar nisso. Refletir sobre a vida sempre nos leva a sua finitude. Aliás, fenecer é parte fundamental do viver.

Minha missão de padre sempre me leva a situações extremas. É a alegria de pegar um recém-nascido nos braços e dar uma bênção, porque, segunda a mãe, está chorando muito de cólicas. E faço a bênção com tanta devoção que o bebê se acalma, dorme melhor, chora menos. Não é mágica, é oração. E funciona mesmo. Não só com as crianças, mas com os adultos também. A vida nos ensina que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar”, segundo William Shakespeare.

Também tenho muito contato com o outro extremo: a morte. Vou levando minhas próprias experiências em lidar com o luto de pessoas queridas que já se foram, e também de tantos que passaram pela minha vida, conhecidos ou não, e que, de alguma forma, eu estive presente nessa hora derradeira.

Nesses momentos, há em mim uma sensação de finitude tão grande que posso sentir o instante da vida se esvaindo como água entre os dedos.

Apego-me a minha fé. Jesus, um dia, disse a Tomé que Ele mesmo é o Caminho, a Verdade e a Vida. Creio nisso. O instante entre o nascer e o morrer pode levar muitos e muitos anos, mas passa rápido demais. Por isso é bom se apegar àquilo que não passa. A possibilidade do Céu é, para mim, uma realidade tão concreta que procuro viver neste mundo como se não pertencesse a ele.

É bom estar vivo, cumprir com as responsabilidades da vida e aproveitar todas as possibilidades de ser feliz. Mas, também penso em como é bom saber que há outra realidade a nossa espera. O poeta diz: “Não existe caminho. Passo a passo, pouco a pouco, o caminho se faz”. Mas eu acredito no Caminho que a fé me levou a trilhar. Acredito no amor sem limites, na doação por causa de “um certo Reino”, na bondade humana, como forma de acreditar num futuro melhor.

Entrei no campo santo, fiz o sinal da cruz, porque me ensinaram ser um lugar sagrado, como a consciência humana também é sagrada, como as histórias vividas e contadas pelas pessoas também são sagradas, como são sagradas as capelas espalhadas pelo mundo, silenciosas, abrigando o tabernáculo com o Corpo do Senhor.

Depositei as flores artificiais, que nunca morrem, sobre os túmulos das pessoas queridas que jazem ali há muitos anos e rezei por elas e por mim. Elas já passaram pelos dois acontecimentos mais importantes da vida. Nasceram e morreram. Nesse intervalo fizeram escolhas, sonharam, sofreram, sorriram. A vida é realmente um grande mistério.

Tenho um amigo há dois meses num hospital, esperando por uma cura. Segundo os médicos, tudo o que podia ser feito já fizeram. Agora é esperar que ele reaja e seu organismo volte a agir como antes. “Vai dar certo”, disse um dia a ele, no seu ouvido, bem lentamente, na esperança de que pudesse ouvir e se animar.

Mistério. É o que resta pensar depois de rezar pela sua recuperação. Um mistério que não consola o nosso coração, mas nos faz entregar ao Coração de Deus o que no nosso coração não pode mais entender. Deus sabe tudo e saberá também o porquê desse sofrimento.

Parei em frente ao jazigo da minha avó e lembrei que, durante muito tempo, tínhamos o hábito de, uma vez por ano, fazer um passeio pelo cemitério. Olhávamos primeiro os túmulos dos conhecidos, falávamos deles e, depois, dávamos uma passada pelas novas sepulturas dos falecidos nos últimos meses. Voltávamos para casa sem ter o que conversar.

Hoje, sou eu, sozinho, passeando pelo campo santo. Agradecendo a cada um pelo instante de vida que tiveram e pela história de amor e carinho para comigo. Peço a Deus que dê a eles o descanso e brilhe sobre eles a Luz da eternidade.

Volto para casa com o coração leve e em paz com a vida. Afinal, viver é também aproveitar o instante e buscar a felicidade nesse mundo. Aprendi que o Paraíso é aqui na Terra. O lugar onde Deus plantou o seu jardim e deu vida à humanidade. Por isso, é preciso leveza e simplicidade no viver. É preciso encontrar o Paraíso perdido nesse mundo tão cinza.

O Dia de Finados já vai chegando ao fim. Rezei as missas com o povo, falei mais uma vez sobre a vida ser um sopro que passa, mas também lembrei que, em meio à efemeridade deste mundo, há o eterno a nossa espera.

As flores artificiais que levei devem permanecer bonitas por meses, pois não podem morrer. Será assim também conosco, quando a vida se transformar de instante para eterno. O homem é um ser imorredouro. Não morre, apenas vive para sempre junto de Deus.