Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Há uma narração maravilhosa sobre a criação do mundo e da humanidade no livro de Gênesis. Fala de barro, sopro, muito amor e uma grande missão. Gosto de contar essa criação, sempre que posso, nos encontros, retiros e homilias que faço na minha missão de padre. Mas, pensando na grandiosidade dessa história, quis também recontá-la de maneira poética e simples, como um conto para as crianças entenderem e os adultos gravarem no coração.
“O dia amanheceu devagar. O sol acordou cedo, mas, preguiçoso, foi dando as caras aos poucos, deitando no horizonte tons avermelhados que se misturavam com o azul do céu. Não havia nuvens, pois a chuva nunca tinha caído por aquelas terras. Não havia pássaros, nem flores, nem frutos. Na terra, apenas um pequeno riacho d’água dava um pouco de vida ao ambiente. Mas não existiam peixes, nem árvores e muito menos borboletas e vaga-lumes. Apenas céu, terra e um pouco de água. Assim era aquele lugar.
Quando acordou, o Criador sentiu uma vontade enorme de brincar e tomou uma decisão que mudaria para sempre a sua vida. Desceu, andou um pouquinho na margem do riacho e sentou-se no chão, começando assim a misturar terra com água, formando um barro bom de modelar objetos de formas engraçadas e interessantes.
Às vezes, cobria o seu pé com aquele barro e formava, na sua brincadeira, um pequeno forno à lenha. Tirava o pé com cuidado e colocava pequenas bolinhas de barro para assar. Saíam dali muitas fornadas de pão. Fingia que comia tudo, desmanchava o forno e fazia outro, só para passar o tempo e se sujar todo.
Estava feliz com a sua brincadeira. Tão feliz que resolveu fazer um boneco de barro. Pegou um pouco mais de terra, algumas porções de água e fez um barro perfeito para modelar. Ficou horas e horas montando o seu boneco que, do nada, foi ganhando forma. Os detalhes foram tão bem feitos que parecia estar vivo. Mas não estava. Era apenas um boneco de barro feito pelas mãos do Criador.
Quando terminou a modelagem, percebeu que foi além de uma mera brincadeira. Era uma obra de arte. Ficou um tempo longo olhando para aquele boneco, nem percebeu que durante a brincadeira Ele também foi se sujando todo de barro. O Criador e a sua criatura pareciam vindos do mesmo lugar, com a mesma cor do barro, com a mesma feição, com igual beleza. Era impressionante a semelhança entre ambos.
Depois de um tempo, o coração falou mais alto. Ele se abaixou bem pertinho das narinas daquele boneco e soprou lentamente o seu hálito vivificante. Como num milagre nunca visto, aquele boneco de barro ganhou vida. Os pulmões se abriram, o sangue começou a correr pelas veias, o coração bateu, os olhos se abriram.
O boneco de barro passou a ser gente e o Criador continuou a sua brincadeira de criança, mas agora com um companheiro para ajudar a brincar até o final da tarde, quando o sol, deslumbrado por ter sido testemunha desse milagre, resolveu descansar e recuperar as forças para voltar no dia seguinte.
No céu, pequenas nuvens começaram a surgir prometendo chuva para aquela noite. E, com a noite chuvosa, chegaram os pássaros, as sementes de plantas e árvores, os animais. O pequeno riacho cresceu e se transformou num grande rio com peixes de todos os tipos. O boneco, tornado Homem, recebeu a missão de cuidar de tudo. O Criador fez o compromisso de voltar todos os dias para passear naquele lugar transformado de deserto em jardim. E isso aconteceu por muito tempo. Eles conversavam, brincavam, cantavam. A vida era feliz.
Um dia, quando o Homem reclamou de solidão, o Criador logo fez a Mulher, tirada do próprio Homem. Quando ele viu sua companheira, bradou em voz alta: “Agora sim, ossos dos meus ossos e carne da minha carne”. E, assim, viveram no Paraíso nascido de uma brincadeira de barro. Fruto de um pouco de terra e um pouco de água nas mãos do Criador que, de tanto amor, transbordou-se em humanidade, natureza, beleza, bondade e fez, do barro modelado pelas suas mãos e do sopro do seu hálito quente, um ser que é a Sua imagem e semelhança.”
É esse o reconto de um relato sagrado, profundo e cheio de simbolismos. Faz-nos pensar sobre a beleza da vida, da grandiosidade e, ao mesmo tempo, fragilidade da nossa origem. É espantoso descobrir que nossos pulmões se abriram a partir de um sopro divino. Somos metade pó da terra e metade hálito de Deus. Isso é maravilhoso. Criaturas amadas e, depois, com a encarnação, morte e ressurreição de Jesus, nos tornamos filhos amados.
Como é bom conhecer e acreditar nessa proposta de vida dada à luz da fé. Torna-nos mais sagrados, mais leves, mais felizes. Suaviza o peso da dor, dos problemas, dos traumas que a vida, por ventura, deixou gravados em nossa alma.
A terra deixa de ser só um “vale de lágrimas” e passa a ser o lugar “da brincadeira e do jardim que Deus plantou”. Essa realidade abre os nossos olhos para entendermos todos os mistérios de estarmos vivo e alcançarmos, assim, o verdadeiro sentido da vida.