E Deus se fez presente

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Estava em uma casa, visitando uma senhora idosa e suas filhas, quando o celular tocou: “O corpo acabou de sair do hospital e já está sendo levado ao cemitério. A oração precisa ser rápida. Não vai ter velório”. Encerrei a conversa com uma bênção, pedi desculpas por sair assim rápido e fui até o local indicado.

Cheguei sem compreender direito a profundidade daquele momento. Talvez tivesse ali umas dez pessoas. Cumprimentei-as sem muitas palavras. E, pelo silêncio que faziam e os olhares carregados de tristeza, pude sentir a dimensão da dor que carregavam.

Fiquei ali, compartilhando o silêncio com eles, olhando para cada um e procurando entender o mistério da vida. Esperavam o corpo chegar. Eu pensava em alguma palavra de conforto para dizer no momento da oração, e não encontrava muita inspiração. Era como se o mundo tivesse parado e tudo se resumia apenas nessa espera. O tempo, quando passamos por essas situações, também não colabora muito. Fica lento, pesaroso e torna-se mais um vilão a maltratar os que já sofrem.

De repente, chegou o carro funerário e o choro começou a aparecer entre súplicas e soluços. Abriram a porta de trás e retiraram o caixão branco e muito pequeno. Era carregado no colo como uma criança carrega uma boneca em seus braços. Por compaixão, deram um tempo para que pudesse ser velada. Meia hora, nada mais. Abriu-se a tampa e uma comoção inundou a sala. Uma bebê de apenas nove dias de nascida. Nasceu prematura e não suportou viver. Fizeram de tudo, mas não resistiu.

Ao lado do pequeno féretro estava a mãe e o pai, muito jovens e inconsoláveis. Também os avós, chorando a perda da neta e o desespero dos filhos. Num cantinho, contida em seu sofrimento, a bisavó, calada e mergulhada em dor.

Esperei um pouco e iniciei a oração. “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”, rezamos juntos. Refleti naquele curto espaço de tempo sobre a beleza da vida, a certeza da morte e a esperança da vida eterna.

A vida é breve e frágil. Não temos como fugir dessa realidade assustadora. Mas sempre é bom recordar a esperança trazida pela fé em Cristo. Dá-nos a certeza de que a morte não existe como fim, mas como começo de uma nova vida. “Na casa de meu Pai há muitas moradas”, diz Jesus no Evangelho de João. E justamente essas moradas enchem-nos de esperança e consolam os corações enlutados.

Terminada a oração, houve um pouco mais de tempo para as despedidas e a pequena urna foi fechada. Eu estava na porta do velório, esperando o cortejo passar, quando saiu da sala a bisavó, carregando o caixãozinho branco nos braços. Não consegui conter as lágrimas. Tentei disfarçar, afinal o padre deve trazer consolo e não choro. Mas eu conheço aquela mulher. Tomou café comigo alguns dias antes do Natal, com o grupo da limpeza pública. É ela quem dirige o caminhão onde os homens correm atrás para recolher os sacos de lixo nas ruas.

Trouxe para si toda a força da responsabilidade. Assumiu a coragem necessária para completar o ciclo que aquele momento exigia, pois ali estavam todos paralisados pelo sofrimento. E, nesse momento, pensei em Maria, mãe de Jesus. Perto da cruz ela permaneceu de pé. O único olhar de alento que Ele tinha, naquele momento de dor, era o dela. Não podia chorar, não se permitia sentir fraqueza, tinha que ter coragem para poder amparar o filho que morria. A dor era imensa, mas o amor era mais forte. E, naquele momento de sofrimento, o único caminho que podia percorrer era o do amor pelo filho.

Juntei-me ao pequeno grupo que ia até o local do sepultamento.  No meio do caminho ela parou e entregou o caixão para o seu filho, avô da bebê. Ele pegou nos braços e continuou o calvário. Ela soube o momento de assumir a dor e o momento de dividir com os seus.

Esse gesto trouxe um ensinamento. O avô, vendo o seu filho, o pai da bebê, caminhando ao seu lado, entregou para ele carregar, ficando os três, um ao lado do outro, dando forças, apoiando, chorando juntos. E assim foi até chegar à sepultura.

É, talvez, a hora mais difícil. Rezei um Pai-Nosso em voz alta. Todos me acompanharam e, aos poucos, foram se retirando. O pai me deu um abraço em gratidão por estar ali com eles e foi embora. Ao longe o vi também abraçando o pai dele. Não consegui ouvir o que falaram, mas acredito que foi algo profundo e necessário.

A morte daquela criança não foi em vão. Apesar de viver nesse mundo apenas nove dias, amou e foi muito amada. Curou alguns corações e foi a razão de muitos ensinamentos. O seu nome era Emanuela, que significa “Deus está conosco”. Posso garantir que realmente Deus se fez presente naquele velório, pois nos momentos profundos de dor Ele também se manifesta.

Descanse em paz, pequena criança, pois cumpriu a missão de mostrar que toda família é sagrada e o amor é o elo entre Deus e a humanidade.