Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Acredito que a bondade faz parte da natureza humana. Se somos formados à imagem e à semelhança do Deus Criador, é natural que ser bom e buscar o bem faz parte da nossa missão. Mas então, por que tanta maldade em nosso meio? De onde vem a corrupção, a violência, o ódio? Por que guerras entre os povos? Será que Deus falhou ao dar ao ser humano a capacidade de ser bom, já que o mal parece estar vencendo?
Dias desses fui chamado para ir à casa de uma família em que o pai está com uma doença terrível. Todos muito jovens. Tanto o marido como a mulher, ainda não completaram trinta anos de vida. Com filhos bem pequenos, enfrentam a enfermidade dele com muita luta, mas também com muito sofrimento. Os filhos reclamam a ausência do pai, que está sempre internado em tratamento. A esposa procura contornar a situação da maneira como pode. É preciso viver a vida com os filhos, dando a eles um pouco de normalidade em meio a tanta agonia. É preciso ainda estar ao lado do marido, que já não suporta mais tanta aflição e dor. É preciso viver, trabalhar fora, cuidar da casa.
Quando cheguei lá, ela estava sozinha, colocando a roupa para lavar. Ao me ver se emocionou. Não é fácil se manter forte o tempo todo. Chega uma hora em que é preciso um abraço, poder chorar um pouco sem se preocupar em manter o dever de fazer de conta que está tudo bem.
Uma das perguntas que me fez depois que o choro cessou: “Por que estamos passando por isso? Por que ele? Sempre foi tão bom?”. Confesso que eu também não tenho respostas para esse tipo de pergunta. Também não consigo entender qual a lógica do sofrimento humano e quais a regras que levam uns a sofrerem tanto e outros a passarem alheios aos tormentos da vida.
Para Aristóteles, filósofo da Grécia Antiga, “um homem é bom quando é virtuoso, ou seja, quando compreende e busca a felicidade com sinceridade”. A busca da felicidade é que torna o ser humano bom, segundo ele. Mas, hoje em dia, quem não quer ser feliz? A maioria de nós persegue a felicidade como caçadores vorazes em busca de suas caças. Talvez, e aqui é só uma pequena reflexão, o problema está em não sabermos bem o que é felicidade.
Ser feliz, muitas vezes é conquistar prestígio e bens materiais. Buscamos a satisfação no mundo externo, na aprovação e nos elogios das pessoas, no reconhecimento do nosso trabalho, na beleza do corpo, nos bens adquiridos. Uma felicidade que, apesar de um grande esforço para conquistá-la, não dura muito e não preenche a alma.
Ser feliz está muito mais em buscar uma paz interna, espiritual, do que se encher de bens e de reconhecimento. A felicidade está em saber quem você é realmente e o que pretende fazer com sua vida. É perceber, aos poucos, que sozinho não consegue ir muito longe. É preciso da ajuda do outros e da ajuda de Deus. Essa procura sincera e simples faz com que nos tornemos fortes e realmente em paz com o mundo, com as pessoas e principalmente conosco mesmo.
A dor e o sofrimento são reais em nossas vidas. Não tem como buscar uma existência em que não se sofra nunca. Mas, por experiência pessoal adquirida em conversas com tantas pessoas, parece que alguns sofrem mais que outros. Não se deve menosprezar a dor de alguém. Ela vem, muitas vezes, carregada de tristeza, incompreensão e revolta.
Quanto a essa jovem mãe que visitei esses dias, vi que a dor estava estampada na alma. E com toda a razão. Não é fácil presenciar o esposo passar por tanto sofrimento. Falei sobre a importância da fé em Deus, principalmente nesse momento, coloquei-me à disposição, dei uma bênção e fui para casa.
Minha vontade era arrancar aquele tormento com as mãos. Um desejo de que tudo se resolvesse e a vida deles voltasse ao normal. Afinal, são tão jovens e ainda têm tanto a fazer. Mas, isso não é possível. Jesus sempre tinha um olhar de compaixão. Ele sentia a dor do outro em sua própria carne. A compaixão ajuda a aliviar o peso da dor. O problema continua, mas aquele que está carregando o sofrimento não fica mais sozinho, mais pessoas vão ajudando, e o peso vai sendo dividido.
O jovem pai que está passando por tudo isso continua sendo bom. Não sofre por que está sendo castigado e nem por ser mal. Sofre porque a vida é assim. Ora está tudo bem, ora tudo dá errado.
O que não pode é desistir. Comprometi-me em rezar por eles. Não consigo fazer com que a doença seja mais leve, mas consigo dizer a eles: “Vocês não estão sozinhos. Deus é bom. Deixe-me ajudá-los a rezar”. Afinal, somos todos feitos do mesmo barro da terra e carregamos em nós o mesmo sopro divino. A dor do outro também deve ser nossa.