Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Era um domingo como tantos outros que vivemos. Bem cedinho, na matriz, a missa começava com um canto, convidando todos a viverem o mistério do amor de Deus. Entre os fiéis, um casal também se fazia presente. Não moravam aqui na cidade, mas vieram visitar os parentes e foram participar da missa. Ela cresceu aqui. Ele vem de outros lugares e atualmente moravam na grande cidade de São Paulo.
O que não sabiam é que, dias depois desse domingo, viveriam uma tragédia. Num dia comum da semana, ele saiu bem cedinho com a sua bicicleta. Era um bom ciclista e gostava de esportes. De repente, do nada, duas pessoas de moto pararam ao lado dele, e, de maneira fria, atiraram com uma arma de fogo e levaram o seu celular. Deixaram-no caído ao lado da sua bicicleta, sangrando e sem vida.
Esse fato foi notícia nacional. Indignação. Tristeza. Sentimento enorme de impotência. “Para onde está caminhando a humanidade?”, podemos nos questionar. Mas, sinceramente, quem irá ouvir os gritos de dor dos familiares e amigos desse homem? Quem irá nos socorrer? Quem segurará a nossa mão?
No livro de Gênesis, há uma passagem intrigante. Diz que Deus percebeu que havia crescido a maldade do homem na Terra, e os projetos do seu coração tendiam sempre para o mal. Assim, a escritura afirma que Deus arrependeu-se de ter criado o homem e ficou com o seu coração muito magoado.
Parece que a maldade continua a povoar os corações de hoje. Os projetos humanos, muitas vezes, continuam tendendo para o mal. Essa morte estúpida e sem sentido, desse homem presente à missa da minha comunidade, dias antes, é a prova de que precisamos rever os nossos valores. Não é possível que uma morte assim se transforme em mais uma estatística. Não pode virar um número. Precisa ser refletida, chorada, rezada.
O mal vai chegando de mansinho, travestido de cores e alegria. Parece indefeso e justificável. Mas não é uma coisa nem outra. Não há justificativa para a disseminação do mal no mundo e um ato de maldade, por menor que seja, não tem nada de ingênuo. Vem carregado de dor e medo. É, na maioria das vezes, banhado por lágrimas de mães, esposas, filhos. Carrega consigo a desesperança, torna a vida cinza e sem graça.
Ao descobrirmos que o Senhor Deus pensou em desistir da sua criação, e seu coração magoado encheu-se de arrependimento de ter feito o homem, precisamos nos encher de vergonha. Como podemos magoar o coração de Deus? Que liberdade nos dá o direito de carregar projetos tão distantes dos projetos de Deus? Onde erramos? Por que continuamos no erro?
Mataram para roubar um celular. O que ganharam com isso? Apenas o sangue derramado de mais um inocente. Até quando a vida humana vai ser desvalorizada e vilipendiada? Não dá mais para esconder que há um projeto maligno em andamento no meio do mundo de hoje. Desprezam a fé em Deus. Brincam com a religião. Não valorizam a vida. Promovem a cultura do aborto. Riem dos que acreditam em Deus. Falam mal da Igreja. Não valorizam a família. Zombam do Sagrado. Não respeitam os idosos. Não conseguem perceber a beleza, a fragilidade e o mistério que é a pessoa humana.
Olhando para tudo isso, compreendemos a mágoa que habita o coração de Deus. Entendemos o seu arrependimento de ter-nos feito, de ter-nos amado, de cuidar com tanto carinho de cada um de nós.
Quando soube que esse homem estava na missa celebrada por mim, senti o desejo de pedir desculpas a ele pela tragédia a que foi acometido. Sei que não é possível revertermos tudo o que aconteceu. Mas, se fosse possível, queria abraçá-lo e pedir-lhe perdão pela maldade que assola o coração humano.
Poucos dias depois de tudo isso, ela veio novamente à missa. Era domingo. Agora, sozinha, sem ele. Sentou bem na frente e rezou, rezou muito. Cantou os cantos da missa, ouviu atentamente as orações e veio buscar forças no coração de Deus. Agora, é o seu coração que está magoado, machucado, dolorido. Mas é preciso recomeçar. A fé nos ajuda em momentos trágicos como esse.
Eu só consegui dar um abraço nela e dizer que estava à disposição. “Meus sentimentos”, disse com a voz baixa e envergonhada, “conte comigo e com minhas preces”. Ela me abraçou e disse que iria precisar sim de ajuda. Uma conversa poderia fazer bem.
No final da missa, muitos foram também abraçá-la. É um momento de solidariedade. Não temos respostas e não sabemos os porquês? Mas podemos nos unir em oração e disposição para mudar esse caminho do mal.
O mundo é bom. As pessoas devem ser boas. Precisamos acreditar nisso e dizer um basta para a frieza que destrói a esperança na humanidade. Quanto a Deus, na continuidade da leitura do Gênesis, mudou de ideia e deixou de se arrepender da sua criação e prometeu nunca mais amaldiçoar a terra por causa dos homens. Deus é sempre bom e eterna é a sua misericórdia. Nem tudo está perdido.