Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Uma vez, no final de uma missa, o padre que presidia a celebração fez uma menção muito interessante sobre o evangelho lido naquele dia, que ficou ecoando dentro mim. O evangelho de Lucas trazia Jesus convocando os seus discípulos e dando-lhes autoridade e poder para cumprirem a missão de expulsar demônios, curar enfermos, levar o Reino de Deus a todos os povos. E, num determinado momento, Jesus surpreende dizendo que em alguns lugares eles não seriam bem recebidos. Quando isso acontecesse, deveriam sair da cidade, sacudir a poeira dos pés, como sinal de protesto.
É uma atitude muito radical de Jesus. No fundo, Ele estava dizendo para não perderem tempo com quem não quer ouvir sobre as coisas de Deus. Como quem dissesse: continuem o seu caminho, pois há muito ainda a ser feito e não podemos ficar carregando poeiras de lugares que não estão dispostos a receber as curas de suas doenças. A princípio, pareceu-me um pouco de desconsideração para com aquele povo, mas, por outro lado, Jesus tem razão. Muitas vezes perdemos um tempo danado com pessoas que não querem ouvir falar de Deus.
Pode acontecer de algumas pessoas não quererem as bênçãos de Deus, mas, em muitos casos, outras querem. Então, segundo Jesus, há muito o que fazer. Com isso, fiquei pensando no que o padre disse: “Jesus pediu para tirarmos a poeira das nossas sandálias, quando encontrarmos um lugar onde não formos bem recebidos. Mas, o contrário também existe. Somos tão bem recebidos em tantos lugares que até carregamos em nossos corações as poeiras por onde passamos”.
Achei essa verdade tão profunda que fiquei buscando em meu coração as poeiras de tantas cidades por onde passei, desde quando resolvi seguir a minha vocação e me tornar um padre. Conheci muita gente boa, generosa, amiga. Receberam-me como o mensageiro de Deus, mas foram elas a me darem as coisas do Céu.
Trago muitas histórias para contar sobre essas pessoas. Uma delas é Dona Lora. Uma senhora que mora em São Luís do Maranhão e a conheci como padre novo. É uma senhora simples e defensora da sua família. Cuidava do marido, filhos e netos como sua missão principal nesse mundo. Os padres da paróquia, onde eu morava, também eram agraciados com os seus cuidados. Tratava-os como filhos e tinha tanto carinho que eu logo percebi a generosidade de coração e o querer bem, sem desejar nada em troca.
Um dia, o marido adoeceu. Ela ficou ao seu lado, mudou a sua vida, adaptou-se ao novo ritmo e não deixou de rezar. Depois de muito lutar contra a doença que o consumiu, ele faleceu. Alguns anos depois foi sua filha, jovem, bonita, bem sucedida profissionalmente e, depois de um câncer agressivo, também faleceu.
O coração da Dona Lora ficou dilacerado, como de toda mãe que precisa enterrar um filho, e, se fosse possível, trocaria sua vida pela dele. Sofreu muito, mas não perdeu a fé. Continuou a rezar e a cuidar da família e dos padres.
Em um dia de Natal, todos saíram e eu fiquei sozinho, com três cachorros e uma vontade imensa de estar com os meus familiares. Dona Lora, ao perceber, fez um convite irrecusável: “Venha passar a ceia de Natal com minha família”. Celebrei a missa e fui até a casa dela. Havia o maior pernil assado que vi até hoje, um peru que mal cabia no forno e alegria, muita alegria. Senti-me em casa, festejando o nascimento de Jesus, junto dos meus.
Outra vez, sabendo que eu gostava muito de um pão feito em casa que ela fazia, resolveu fazer o pão e levar onde eu morava, do outro lado da cidade. Pegou dois ônibus até chegar lá. Caía uma chuva torrencial. Ela bateu no meu portão, tentando, sem sucesso, fazer com que alguém atendesse. Não havia ninguém em casa. Dona Lora voltou com o pão todo molhado em sua mão. E eu, quando fiquei sabendo do ocorrido, lembrei-me de uma promessa de Jesus aos que deixam tudo neste mundo para O seguir: “Quem deixa pai, mãe, irmãos e me segue, terá, ainda neste mundo, cem vezes mais do que tinha”.
Eu acredito nisso. Dona Lora faz parte dessa promessa de Jesus sendo realizada em minha vida. Posso garantir que, junto dela, há uma multidão que me ajudou a construir minha história e os tenho como presentes de Deus.
Ainda hoje, tantos anos depois, e já não morando mais no Maranhão, todos os dias Dona Lora me envia um áudio pelo whatsapp, assim: “Bom dia Padre Djalma. Boas celebrações. Muitas bênçãos para sua mãezinha, sua avozinha e tudo de bom em sua vida”. Com isso, trago em meu coração muitas poeiras das terras por onde andei. Muitas vidas que tocaram a minha vida. Muitas histórias que vale a pena serem contadas, pois trazem esperança em tempo de desolação. E se isso não for coisa de Deus, o que seria?