Antonella e João

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Estava na porta da igreja esperando o horário para começar a missa e acolhendo os fiéis que chegavam. O dia estava ainda amanhecendo, mas o sol parecia ter acordado mais amostrado que os outros dias. A missa, do meio da manhã, tem a participação de muitas crianças. Os pais aproveitam para ensinar aos filhos que podemos conquistar tudo, mas se não tivermos tempo para encontrar a Deus, participar da Igreja, ter fé, de nada adianta ganhar o mundo inteiro.

Uns minutinhos antes de começar a celebração, eles chegaram. Os pais sempre participam da missa dominical e, uma vez por mês, da missa celebrada na roça.  Pai, mãe e dois filhos pequenos, uma menina e um menino. Ele, um pouco mais velho, tem o semblante mais sério, concentrado, um rapazinho responsável que já aprendeu a ler e escrever. Ela, sempre um sorriso fácil, uma conversa cativante e não tem sossego. Dou muitas risadas com eles.

Logo que passaram por mim, os pais me cumprimentaram, o menino acenou com a cabeça e ela veio correndo, deu-me um abraço. Olhou para o lado, para ver se não tinha ninguém por perto, e falou baixinho: “Padre, vamos nos mudar para outra cidade”. Não acreditei muito nessa informação. Conhecendo a criatividade daquela pequena, sabia que poderia ser apenas uma brincadeira.

Demos início à missa e fiquei com aquela interrogação na cabeça, se era verdade mesmo que iriam embora. No final da missa, a mãe me confirmou. Era verdade. O esposo tinha arrumado um novo trabalho e precisariam se mudar. Era uma ótima oportunidade e não poderiam perder.

Vi os olhos dela se encherem de lágrimas. Olhei com ternura para a família e entendi a angústia, mas também a necessidade dessa mudança. Afinal, viver é assim mesmo, correr riscos. Não podemos nos contentar com o razoável, principalmente quando temos condições de buscar o melhor. É olhar para frente e dizer: “Eu posso ir além do que os meus olhos veem”.

Foram embora e fiquei com o coração miúdo. Acho que a saudade chegou antes da hora. Não iriam se mudar naqueles dias, demoraria um pouco. Mas, só pelo fato de saber que não os veria com tanta frequência, a dor da saudade se alojou devagarinho em mim.

Conforme a vida vai caminhando, vamos carregando na alma muitas pessoas que passaram por nós já não estão mais por perto. Vivem dentro de nós, mas não os vemos com os olhos, apenas com o coração. São amigos, colegas de escola, professores, familiares. Pessoas que deixaram suas marcas e nos tornaram eternamente gratos por tudo o que fizeram em nosso favor. Amamos e nos sentimos amados. Cada um com o seu jeito, com o seu tempo, com a sua história.

Alguns passaram rápido, mas conseguiram deixar marcas profundas de amizade e carinho. Outros demoraram uma eternidade ao nosso lado, mas, de repente, foram embora, deixando-nos um pouco mais sozinhos, sofrendo a sua ausência.

O poeta diz: “Todos os dias é um vai e vem e a vida se repete na estação”. Ele tem razão. A vida é feita de muitas histórias, muitos corações, muitas pessoas que fazem ou fizeram o caminho conosco. Mas sempre chega o momento da despedida: pode ser um “até breve” ou um “adeus”. E, nesses momentos de encontros e desencontros, vamos construindo a nossa história, aprendendo a viver e descobrindo como lidar com o sentimento da ausência.

É certo também que algumas pessoas passam por nós, convivem um tempo ao nosso lado, mas não criam vínculos. Chegam e vão sem deixarem nada de bom. Às vezes nem fazem mal, mas não se criam laços afetivos. Vão embora sem deixarem marcas e memórias que merecem ser lembradas, pois não quiseram construir conosco uma amizade verdadeira e duradoura. Também pode ter o outro lado. Talvez nós mesmos não deixamos que se aproximassem, impedindo-os de fazerem parte da nossa vida.

Dias desses, rezei a missa mensal para a comunidade rural que essa família frequentava. Como choveu muito, vieram todos até a minha casa, por facilitar o acesso e evitar o barro da estrada. E, para minha surpresa, as duas crianças que haviam se mudado, chegaram com os pais, trazendo nas mãos refrigerantes para a confraternização depois da reza. Confesso que fiquei muito feliz em revê-los. Foi uma surpresa muito agradável.

Deram-me um abraço, rezaram, cantaram e no final da missa contaram-me histórias sobre a nova cidade, o quintal da casa, o cachorro. Antes de irem embora, a mãe se despediu e disse: “Até o mês que vem”. E meu coração nem teve tempo de sentir saudade, pois já me alegrei com a possibilidade de encontrá-los novamente no próximo mês.

Criamos laços, amizade, vínculos, e isso é tão importante quanto viver com saúde física e mental. A falta de compromisso e respeito com as pessoas ao nosso lado geram, muitas vezes, feridas que corroem a alma. Sentir a falta de alguém é a prova de que fizemos a experiência de amar e ser amado. Talvez seja por isso que a dor da saudade é tão profunda. Faz lembrarmo-nos do quando o outro faz falta e de quanto amor ainda carregamos em nosso peito.