“Algumas horas de vida”

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

 

Estava andando apressadamente pelo corredor do hospital, pensando na unção que acabara de fazer em uma senhora da minha paróquia que não estava muito bem de saúde. Ela havia passado por uma grande cirurgia há alguns meses, já estava se recuperando e tinha voltado a participar das missas dominicais, levada por sua família numa cadeira de rodas. Sempre me atendeu com muita alegria nas visitas à sua casa. Agora, no leito do hospital, demorou um pouco para me reconhecer, mas, assim que me identifiquei com mais detalhes, ergueu as mãos para o céu e disse: “Que bom que o senhor veio me ver”.

Conversamos, rezamos, ministrei o Sacramento da Unção dos Enfermos e nos despedimos. Sempre com a esperança de nos encontrarmos novamente na missa de domingo. A vida é feita de esperança. Mesmo que percebamos não estarmos vivendo os melhores momentos, há sempre uma certeza de que tudo pode voltar à normalidade.

Estava já no corredor, quando alguém perguntou, com uma voz aflita: “O senhor é padre? Vi que estava rezando. Será que poderia dar uma bênção ao meu pai? Eu estava pensando em pedir ajuda para conseguir um padre para vir aqui”. Parei ao lado dela e disse que sim, poderia ir abençoar o seu pai. Com os olhos tristes e a voz embargada, disse-me que o pai não estava bem e os médicos deram-lhe apenas algumas horas de vida.

Adiei todos os meus planos e permaneci ali, naquele hospital, por um pouco mais de tempo. Ouvi um breve relato da vida daquele homem, contado pela sua filha, e me coloquei à disposição para ir rezar com ele. Assim, ela me levou até o leito, apresentou-me ao pai que, apesar do diagnóstico, estava lúcido e falando. Despediu-se, pois havia terminado o horário da visita naquela unidade semi-intensiva, e deixou-me sozinho com ele.

Conversamos um pouco. Falei sobre mim, de onde era e que conhecia a cidade de onde ele vinha. Rezamos, ministrei o Sacramento da Unção dos Enfermos e nos despedimos. Não sei se ele sabia da sua condição e do diagnóstico dado pelos médicos. Não o conhecia antes desse momento e, talvez, nunca mais o veja novamente, mas tivemos, ali, um momento de eternidade, mesmo sendo dois estranhos.

Ao voltar para o corredor daquele hospital e retomar os meus passos apressados, já que a vida continuava em seu ritmo acelerado, veio-me à mente uma frase do Salmo oito: “O que é o homem para que dele te lembres?”. Diante da fragilidade da vida, Deus continua nos amparando. O que somos nós diante de todo esse universo? Um grão de areia? Uma gota no oceano? Uma brisa suave que passa? Mesmo assim, com tamanha pequenez, somos grandes diante de Deus. Um mistério é a vida humana que, mesmo quando desvendada, ainda se tem muito a descobrir.

Eu não sei o porquê a vida nos colocou assim, lado a lado, nas suas últimas horas nesse mundo. Somos todos parte de uma mesma engrenagem. Movimentamos a roda da vida e, uma hora ou outra, vamos nos encontrar e cumpriremos assim a nossa jornada. E Deus sempre estará ao nosso lado.

Por isso, Ele deve ser sempre o nosso centro, a meta, o tesouro a ser encontrado no campo, como disse Jesus. Sabe o que ficou para mim dessas duas visitas? Que eles precisavam de mim tanto quanto eu deles. Ao tocar a finitude da vida, por mais dolorido que seja, tornamo-nos infinitos, fortes e mais conectados.

Percebemos, da maneira mais cruel que tudo passa e, juntos com a vida, passamos nós também. Por isso, devemos ter a certeza de que não somos autossuficientes. Necessitamos uns dos outros para nascer e para morrer. A proximidade nas relações humanas, de maneira saudável e fraterna, faz com que a vida se torne mais agradável e extremamente feliz.

Só assim haverá um sentido em existir. Uma verdadeira realização em saber que não estamos sós, pois somos parte de uma história de amor de Deus para com a humanidade.

Recebi há pouco uma notícia: a senhorinha que visitei continua internada e sua saúde está ainda mais frágil. Sobre aquele homem, não tive mais notícias. Sinto que nunca mais terei. Nossas histórias se cruzaram unicamente para aquele encontro de bênçãos e reflexão sobre a vida.

Fez bem para ele e fez bem para mim também. Acredito tê-lo preparado para enfrentar os medos e as incertezas que a vida por ventura trouxera. Mas ajudou-me a perceber que, por mais que planejemos o dia, cumpramos uma agenda e tenhamos nossos projetos, Deus também tem o direito de intervir a tempo de nos salvar de nossas próprias armadilhas.

Fez-me estar na hora certa, no lugar certo. Diminuiu o ritmo de meus passos. Abriu meus ouvidos para uma nova história. Colocou-me diante de um homem com poucas horas de vida, mas com uma fé tão grande a ponto de ter ensinado a sua filha de que Deus está acima de tudo, mesmo quando todos dizem o contrário.

Jesus disse um dia: “Estive doente e foste me visitar”. Naquele leito encontrei o Cristo Sofredor. E Ele não me deixou esquecer de que morte não existe, pois só existe mesmo a vida em plenitude.