Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Foi como desvendar um grande mistério escondido dentro de mim mesmo. Estava próxima a data do meu aniversário de cinquenta anos. A vida parece que veio toda na cabeça, como num filme: as experiências vividas, os sentimentos escondidos, as escolhas feitas. E, como tudo passa rápido mesmo, não poderia perder a chance de viver bem esse período. Comecei a refletir sobre a minha vida. Ficar diante de mim e me olhar com mais profundidade. Saber quem eu tinha me tornado e como seguir em frente.
Todos os dias ia à capela para as orações. Rezava as laudes de manhã e as vésperas à tarde, entregando a Deus a minha vida e as próximas escolhas que deveria fazer. Adorava o Senhor no Santíssimo Sacramento diariamente. Na maioria das vezes, em silêncio, num vazio profundo, não de sentimentos e pensamentos, mas de entrega. Buscava respostas para a outra metade da minha vida que estava apenas começando.
Há muito tempo descobri que a vida tem um meio. Vivemos a primeira metade de maneira intensa. Infância, adolescência, juventude. É bom conhecer o mundo, descobrir a vida, traçar metas, sonhar. É um tempo de escolhas fundamentais e nos proporciona a grande responsabilidade de construir o nosso caminho. Colheremos no futuro aquilo que plantarmos na primeira metade da vida.
Também somos frutos de tudo o que nos ensinaram. Da família que tivemos. Do lugar onde fomos criados. A cultura local e a área geográfica contam muita nessa construção de personalidade. Carregamos um pouco de cada pessoa que passou pela nossa existência. Somos feitos de vidas de muitas pessoas, de muitos sentimentos e de muitos corações.
Às vezes tivemos experiências não tão boas. Também somos feitos dessas frustrações e decepções. Nem sempre acertaram conosco. Isso é natural. Afinal, todos que passaram por nós também estavam em construção. Estavam fazendo as suas escolhas. Carregavam consigo a responsabilidade de, ao longo do caminho, nos ter como companheiros de jornada. Alguns souberam ser gentis e amigos, outros se esqueceram de que a dureza de coração e a falta de paciência acarretariam traumas e deixavam cicatrizes em nossas almas.
Muitos outros se esforçaram em nos dar carinho e atenção. Foram companheiros, amigos, mestres, guias. Talvez, por saberem que a vida não é fácil, esforçaram-se em nos socorrer na hora da angústia e nos ensinaram a também sermos companheiros e amigos nesse grande caminho da existência.
Com essas reflexões, fui entranhando em mim a cada oração que fazia nas manhãs frias, aguardando o sol para aquecer o dia. Em muitos momentos de adoração, apenas silenciava o coração e olhava para a alvura da Hóstia consagrada. Não espera uma voz que interagisse com meus pensamentos, apenas queria sentir paz, mesmo estando em conflito interno. A cada celebração da missa, colocava-me inteiro no pão e no vinho. Era o oblato junto com as oblatas. Oferecia-me ao Senhor na mesa eucarística e esperava, ansioso, que eu também fosse aceito pelo Pai.
A primeira metade da minha vida estava se completando e precisava preparar a segunda, onde as experiências existenciais seriam em menor número, mas de grande profundidade. E o que fazer com os anos que me restavam? Como viver reconciliado com as escolhas já feitas? Como não perder a alegria e o sentido pleno de estar vivo?
A fé em Deus me ajudou muito nesse momento. Sabia que Ele estaria comigo até o fim. Mas, um dia, uma monja de clausura me disse, numa conversa profunda, sobre as escolhas fundamentais que precisava fazer nesse momento da minha vida, que Deus estaria comigo também nessa nova metade. “Você está trocando Deus por Deus”, disse-me com uma simplicidade e uma singeleza que tomei isso como uma conversa celestial.
Não há como errar quando Deus faz parte das escolhas importantes que fazemos ao longo da nossa história de vida. E, nessa nova etapa, a “segunda metade da vida”, mais do que nunca Deus precisava ser a minha prioridade.
Não haveria mais tempo para buscar novidades e nem para ficar ruminando escolhas erradas e sem sentido. Lembrei-me de uma velha canção que dizia: “Caminheiro, você sabe, não existe caminho. Passo a passo, pouco a pouco, e o caminho se faz”. A experiência do caminho é valiosa quando se sabe o peso que têm as escolhas feitas. Por isso, é preciso, a partir de agora, ser mais seletivo, mais decidido, mais direto naquilo que realmente importa.
Escrevo tudo isso agora porque recebi, nesses dias, do senhor bispo a autorização para ter uma capela com o Santíssimo Sacramento na casa paroquial onde moro. Meu coração ficou pleno de felicidade. “O caminho se faz caminhando”, veio a minha mente. E agora, mais uma vez, posso ter como companheiro de casa o Senhor da minha vida. Aquele que nunca me abandonou, mesmo quando passava por noites escuras.
Vou poder novamente adorar o Senhor em silêncio. Apenas olhando para a alvura da Hóstia até o sono chegar, e rezar baixinho como o velho Simeão: “Agora, meu Senhor, já posso descansar. Pois meus olhos viram vossa salvação que preparastes ante a face das nações”.
No caminho da vida, principalmente na segunda metade desse caminho, é preciso se ocupar com aquilo que realmente importa. Não há mais tempo para vaidades, poder, arrogâncias, ilusões, prepotências. É preciso ter a coragem de tocar o eterno, mesmo tendo os pés no chão.