Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
O domingo foi repleto de compromissos. Em todas as missas havíamos celebrado o Dia das Mães e também em ação de graças pela escolha do novo Papa da Igreja, Leão XIV. A alegria estava estampada no rosto das pessoas. Algumas rezavam pelas mães que já não estão mais entre nós e, apesar da saudade, havia a certeza da vida eterna e uma enorme gratidão pelo carinho e cuidado que receberam delas.
Apesar do clima festivo, entre as missas, fui também para o velório presidir a celebração das exéquias de duas pessoas da comunidade. Há sempre algumas tragédias em nossas vidas. Num dia tão bonito como esse domingo, a tristeza também pode aparecer sem pedir licença e transformar a festa em luto.
Viver é um desafio. É sempre estar pronto para enfrentar os imprevistos. É luta constante. Existem momentos que não têm muita explicação e nem é bom ficar procurando muitos culpados. A consciência precisa estar sempre em paz e nunca deixar para depois o que se pode realizar agora. Viver é bom apesar dos problemas que enfrentamos.
E assim foi meu domingo. Entre alegria e tristeza, vida e morte, missa e exéquias. Mas, também houve almoço com a mãe. Presentes, conversas, silêncio. No final do dia é que percebemos quantos momentos importantes vivemos e como a vida é dinâmica. Não dá realmente para deixar tudo planejado. Não se pode cumprir um roteiro pré-estabelecido. É preciso organizar, mas deixar o dia seguir o seu curso, tirando sempre, a cada instante, reflexões e experiências únicas e fundamentais para a vida.
No dia seguinte, programei-me para algumas visitas ao hospital. “Estive doente e foste me visitar”, disse Jesus um dia. A prática de visitar enfermos sempre nos leva a caminhos sagrados. Tocamos o limite humano. Ficamos de frente com a doença e, muitas vezes, com a fragilidade e finitude da vida.
Ao entrar na UTI do hospital, encontrei-a fraca e sem ânimo. A senhora deitada naquele leito construiu uma bela história de vida. Fez muita caridade, educou os filhos na fé, passou pela dor de ficar viúva e, mesmo assim, assumiu a liderança da família com vitalidade e amor. Foi protagonista de muitas ações em favor dos mais necessitados e sempre buscou a religião como parte de sua escolha de vida.
Conversamos só um pouquinho devido a sua debilidade e rezamos juntos. Coloquei minha estola, peguei o óleo e dei a Unção dos Enfermos. Ao concluirmos a oração, ela abriu os olhos e com voz firme chamou a filha que estava ao lado, disse: “Separa uma cesta básica para a pastoral”. Após essa ordem, fechou os olhos novamente e voltou ao seu estado debilitado, lutando com todas as forças para melhorar logo e retornar para casa.
Somos frutos de nossas escolhas ao longo da vida. Podem nos tirar tudo. Saúde, juventude, bens materiais, independência, mas nunca vão conseguir nos roubar a nossa dignidade e a nossa fé. É por isso que vale a pena o esforço diário em escolher estar sempre com Deus. Não vale a pena trocar nosso tempo de oração pessoal, nosso momento de espiritualidade, por nada de importante que o mundo possa oferecer.
A força vital que presenciei após a Unção é realmente algo sagrado. O fato de, mesmo doente, num leito de hospital, sem conseguir respirar bem, lembrar-se dos mais necessitados e pedir para enviar uma cesta básica, foi para mim a certeza de que somos o que rezamos ao longo da vida.
Também encontramos essa atitude em Jesus no momento das dores terríveis da Cruz. “Pai, perdoa-lhes. Eles não sabem o que fazem”. “Eis a tua Mãe. Eis o teu filho”. “Ainda hoje estarás comigo no Paraíso”. São, ao menos para mim, sinais claros de que, mesmo nos momentos profundos de sofrimentos, há espaço para pensar no próximo e fazer o bem.
Deixei o hospital com a certeza de que vale a pena cultivar a fé. Não se pode cair na armadilha do egoísmo. Pensar só em si é, muitas vezes, cansativo, frustrante e não preenche os nossos sonhos. Não podemos nos transformar em vítimas diante do sofrimento. Há uma dignidade que só as pessoas que foram acostumadas a pensar além de si e de seus problemas conseguem ter. O meu sofrer não é maior do que o sofrimento do outro e sabemos, por meio da fé, que, mesmo debilitado, ainda podemos ajudar alguém.
Apesar da fragilidade da vida, das decepções e dias obscuros, quando nos nutrimos de fé tudo ganha um sentido novo. É como encontrar vida nova em meio ao vale dos ossos ressequidos, como nos conta o profeta Ezequiel. É dar prioridade àquilo que realmente vale a pena. É viver plenamente o evangelho de Jesus.
Possamos sempre aprender com as pessoas sábias, que tiveram suas vidas alicerçadas na certeza da fé e não se deixam abalar pela dor e pelo sofrimento. Não sejamos fracos diante dos desafios que aparecem sem avisar. Não deixemos de olhar para o Crucificado e encontrar n’Ele a disposição para continuar sempre. Há um sentido em continuar a fazer o bem, mesmo quando achamos que não há mais tempo. Viver, apesar de tudo, continua sendo uma bênção de Deus.