Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Outro dia iniciei a homilia falando sobre saudade. Desde que aprendi que todo ser humano tem saudade de Deus, levo comigo a certeza de que é bom sentir falta daquilo que nos fez bem. É um jeito de ir adequando a vida entre o presente e o ausente. Às vezes, é alguém próximo que nos deixou, outras vezes é um lugar no passado que sabemos que não retornará mais. Outras ainda eram coisas que nos alegravam, móveis, joias, objetos, e a vida foi substituindo sem deixar esquecidas num canto da memória.
O fato é que nem sempre o sentimento da ausência é prazeroso. A maioria de nós carrega a dor da saudade no peito. Quando visitei a pequena cidade de São Luiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba, em São Paulo, conheci a casa do artista Elpídio Santos, falecido na década de setenta, há mais de cinquenta anos. Ele teve uma de suas canções imortalizadas num dos filmes do Mazzaropi, cujo refrão dizia: “A dor da saudade / Quem é que não tem / Olhando o passado / Quem é que não sente / Saudade de alguém”.
Realmente, quem é que não sente? Parece que quanto mais o tempo passa mais povoado de ausências vai ficando o nosso coração. Precisamos ir administrando o luto, as mudanças, as perdas, sem existir uma cartilha que nos ensine como fazer. Apenas vivenciando cada situação e buscando motivos para continuar o caminho da vida.
Na poesia musicada da obra de Chico Buarque, encontramos uma de suas canções mais profundas: “Pedaço de mim”. Fala-nos que a “saudade é revés de um parto”. Sempre me faz pensar o significado da palavra “revés” dentro dessa canção. É a tristeza no lugar da alegria. Morte no lugar da vida. Trevas no lugar da luz.
Acompanhando essa ideia de que a saudade faz sofrer, ele, na tentativa de explicar essa dor, diz que: “Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.
Só quem é pai ou mãe, e tiveram que se apartar do filho, conhecem esse sofrimento. É corrompida a ordem natural em que os pais se vão primeiro do que os filhos. E só esse fato já causa estranhamento e desequilíbrio nos sentimentos.
Mas, sempre há uma luz no fim do túnel. Talvez não esteja ela brilhando no tempo que corre veloz ou na continuidade da vida que nos leva para outros rumos. A luz que pode amenizar a dor da saudade é a própria Luz que nos tira das trevas. “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida”, disse um dia Jesus aos seus discípulos.
Quem disse que sentir saudade de alguém ou de algum momento passado, tem que necessariamente gerar em nós apenas um sentimento de tristeza? Seria insuportável carregar tantas ausências transformadas em dor. É preciso ressignificar nossos sentimentos e, numa reflexão mais filosófica, podemos dizer que a saudade de algo é a presença constante da ausência. É ter por perto aquilo que já passou apesar de não poder mais vivenciar de maneira concreta.
A dor da saudade se cura com a luz da fé. Não é uma cura que tem por objetivo o esquecimento. Não. É quase impossível esquecer o motivo que nos faz doer à alma. Mas, a fé em Deus faz com que encontremos, no emaranhado de sentimentos confusos, a esperança de que a vida pode continuar iluminada.
A Luz da vida nos enche de sentido novo, levando-nos a reconciliar com a dor, dando espaço para a felicidade. A saudade, nesse contexto, é um modo de manter a memória atualizada, não se permitindo esquecer a pessoa que se foi ou os momentos que se viveram. Há uma busca de entendimento entre as nossas frustrações e os nossos objetivos de vida. E isso é legítimo. Não há culpa em não sentir mais dor na saudade.
Trago em mim memórias saudosas de muitos lugares e pessoas que me foram importantes. Mantenho guardadas em minha alma pessoas queridas, próximas, que me amaram e que as amei, mas completaram a missão neste mundo e dormem o sono da paz. Não estão mais aqui pessoalmente, mas consigo ainda lembrar o seu cheiro, as suas palavras, os seus sorrisos. E isso me faz bem. É bom saber que amamos e fomos amados, mesmo que esse amor, agora, tenha se transformado em saudade.
Conheço pessoas que sofrem também as ausências. E é bom respeitar essa angústia que vivem. Afinal, somos todos da mesma matéria e criados pelo mesmo Pai. A vida nos ensina que ajudar quem sofre faz esse mundo melhor. Hoje é meu próximo que chora de saudade, amanhã, talvez, seja eu. Juntos, unidos na mesma fé e iluminados pela mesma Luz, seremos mais forte.
Afinal, a dor da saudade, quem é que não tem?