A coragem que nos move

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

As cigarras voltaram a cantar. É sempre assim. No mesmo período do ano este canto invade toda a casa e faz com que nos acostumemos com o som desajeitado e estridente. Dizem os antigos que ela canta até morrer exausta, cumprindo o seu destino. Por muito tempo acreditei nessa narrativa e achava interessante essa sina de “cantar até morrer”.

Lembro-me de um conto infantil que trazia uma estória sobre a Formiga, que passava o tempo trabalhando, e a Cigarra, boêmia e despreocupada, cantava sempre sem se importar com o futuro. No final, quando o inverno chegava, a Formiga se aconchegava no seu lar quentinho e cheio de alimentos, usufruindo do fruto do seu árduo trabalho, enquanto a Cigarra, coitada, terminava os seus dias no frio, com fome e implorando pela ajuda benevolente da dona Formiga.

Com o tempo, fui descobrindo muitas coisas sobre a vida e uma delas é que a cigarra não canta até morrer, pelo contrário, canta para continuar viva. O seu canto, que acontece geralmente no início da primavera, é feito pelo macho, atraindo assim a fêmea, garantindo a perpetuação da espécie.

É muito bom aprender sobre as coisas da vida e ir desvendando alguns segredos, como esse que acabei contar. Deixa tudo muito mais interessante e nos faz atentos sobre as verdades que nos contam. Sempre é bom ver o que se tem por detrás delas e quais são as motivações que usaram para construí-las. É preciso usar a inteligência que Deus nos deu e tomar muito cuidado para não sermos injustos com os outros.

As certezas vão se transformando conforme vamos amadurecendo. Apenas uma verdade é realmente absoluta: Deus. Esse sim não muda, nunca passa e sempre nos surpreende. Mas até sobre o que sabemos ou pensamos sobre Ele vai se aprimorando ao longo da vida. O ser humano tem essa capacidade de se reinventar e aprender com as experiências que vive. Faz parte do nosso crescimento pessoal.

Aliás, temos um universo inteiro dentro do peito. Às vezes explode, entornando na vida um turbilhão de sentimentos e emoções, como um vendaval descontrolado. Outras vezes, fica em silêncio, apenas observando os dias passarem lentamente. Mas é bom estar vivo e amadurecer como uma fruta no pé, que, sem perceber, fica pronta e cai. Com um pouco de sorte, continua o ciclo natural das coisas e morre, nasce, cresce, frutifica e morre novamente, quantas vezes forem necessárias.

Para vivermos tudo isso numa única vida e cumprirmos o nosso ciclo, é preciso coragem e determinação. Não consigo entender a vida sem essas duas forças que nos impulsionam e nos tornam realizados.

Mas tudo tem um preço. Para a fruta cumprir a sua missão, é preciso amadurecer, cair e morrer. Para que a cigarra continue perpetuando a sua espécie, é preciso passar pela incompreensão do seu canto e carregar o estigma de ser vista como pândega e de viver na vadiagem.

Jesus também sofreu a incompreensão de muitas pessoas de sua época. Morreu no meio de dois ladrões e abandonado pelos seus amigos. Mas nunca deixou de falar o que precisava e nem mudou o seu jeito de viver e de amar. “Amou-os até o fim”, disse o evangelista João. Ele gostava de quebrar paradigmas e mostrar que, muitas vezes, erramos quando julgamos demais e amamos de menos.

Um dia, ele estava no meio de uma multidão que o comprimia num empurra-empurra, e, de repente, parou e disse: “Quem me tocou?”. Os seus discípulos ficaram espantados com essa pergunta, afinal, havia uma multidão que o tocava nas últimas horas. Mas Jesus falou: “Eu senti que uma força saiu de mim”. Nesse instante uma mulher se apresenta a Ele e, com muito medo, disse que havia tocado a barra do seu manto e, no mesmo instante, a sua hemorragia de doze anos havia cessado. Estava curada, livre do sofrimento que a acompanhava nos últimos anos.

Coragem e determinação foi o que moveu aquela mulher que, mesmo anônima no meio da multidão, enfrentou a todos e foi ao encontro do Senhor. Contentou-se em tocar suas vestes, acreditou na cura e, de prêmio, ainda ouviu de Jesus: “Uma força saiu de mim”. A nossa busca sincera por Deus, sempre nos liberta das amarras que a própria vida nos dá e nos enche de força, curando as nossas feridas do corpo e da alma.

Por isso, não podemos perder tempo. A felicidade mora dentro de nós e se multiplica quando encontramos a Deus. Às vezes, é preciso um pouco mais de tempo e maturidade para entendermos isso, mas, com coragem e determinação, vamos encontrando o verdadeiro sentido da nossa vida. Vale a pena acreditar e tentar.

Busquemos, pois, a fé em Deus, eduquemos bem as nossas crianças, ensinando-as o respeito pelos outros e a solidariedade com o próximo, e não nos esqueçamos de recomeçar sempre. A vida é feita de ciclos, como tudo na natureza.

E assim, um dia, quando olharmos para o caminho que fizemos, teremos a certeza de que conseguimos fazer as escolhas certas e podemos ficar em paz conosco mesmo, com os outros e com as nossas opções. Não existe nada mais importante na vida do que uma consciência tranquila. Que Deus nos ajude nessa jornada.