Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

Estava terminado o almoço quando chegou a notícia. Havia acabado de celebrar uma missa com a presença de muitos agricultores e reinava no ambiente uma alegria estampada no semblante de cada um. Viver na roça tem vantagens e desvantagens. Esse povo sabe apreciar a beleza de um pôr-do-sol, percebe o desenvolvimento da plantação e sente na alma a falta da chuva. Há duas verdades que todos aprendem desde pequenos: são dependentes exclusivamente da natureza e contam apenas com a força do seu trabalho. Além disso, sabem da importância da bênção de Deus, por isso respeitam o Sagrado, cultivando, junto com as sementes, os cantos e as orações passadas de pais para filhos.

Eu passava de mesa em mesa, rindo e agradecendo a presença de todos, quando, do nada, chegou uma criança correndo e disse: “o Dito morreu”. No meio do barulho das conversas e da música caipira, cantada por alguns homens num canto do barracão, fez-se um silêncio atordoante. Não consegui assimilar bem a informação. Quem morreu? Pensava, tentando entender o que estava acontecendo. “Caiu do telhado”, dizia a criança, tentando explicar melhor a informação.

Quando percebi quem era e de como essa notícia iria impactar toda a nossa comunidade, fui, em pensamento, buscar a última vez que estive com o Dito. Ainda incrédulo, recordei-me que estávamos juntos sexta à noite, na missa na sua comunidade rural, e sábado de manhã, no terço dos homens. Agora era domingo. Não podia ser possível que essa tragédia tivesse acontecido.

Na segunda-feira, uma multidão compareceu ao velório e não se tinha outro sentimento senão de tristeza. Exaltavam os feitos desse homem simples, de poucas palavras, mas que será lembrado como “um homem bom”. Cada um tinha um elogio a dizer, uma lágrima a derramar e uma prece a fazer, pedindo a Deus que o Dito tivesse um lugar no Paraíso.

Não era um homem de muitas posses e nem de muito poder. O seu tesourou era a sua fé em Deus, e a sua missão era de apenas estar presente nas missas, reuniões, trabalhos pastorais e na sua comunidade rural, onde auxiliava na pastoral do dízimo. Dois dias antes de sua morte, estávamos juntos na roça. Rimos, rezamos, confraternizamos. E essa será a lembrança que ficará no meu coração.

Um dos relatos que ouvi no seu velório foi uma conversa que teve com uma senhora na manhã daquele domingo. Disse que: “na missa das nove e meia outro padre iria presidir, pois o padre Djalma iria celebrar na roça com os agricultores e não poderia estar na cidade para a missa”. Mas, continuou ele, “vou participar da missa da noite”, sem saber que na missa da noite já estaria ao lado de Nosso Senhor.

Todos os domingos, após a missa da noite, ele ia com seus parentes e amigos para a sorveteria da esquina da praça e tomava um refrigerante. Eu sempre passava ali, retornando para casa, e prometia que, qualquer domingo, iria parar para ficar um pouco com eles. Não deu tempo.

Não deu tempo porque sempre deixamos para depois aquilo que podemos fazer hoje. Adiamos esses atos simples, como uma conversa com amigos depois da missa, porque nos esquecemos de que a vida é breve e frágil. Por isso mesmo não podemos adiar os atos de simplicidade e de carinho com os amigos e com a família.

Como foi difícil entrar na igreja para começar a missa, sabendo que ele queria estar ali rezando conosco e não estava. Mas como foi bom reunir a comunidade para celebrar a eucaristia e refletir sobre a eternidade. Enche-nos o coração de esperança quando acreditamos que a vida não termina com a morte, ele renasce para Deus.

No evangelho dessa missa, Jesus convidava os seus apóstolos para irem com ele num lugar deserto para descansarem um pouco. Fiquei pensando sobre esse descanso com o Senhor. Como é necessário ter um momento de pausa para poder restaurar as forças do corpo e da alma. Ainda mais com a presença do Mestre. Acredito que Jesus, nesse domingo, também convidou o Dito para descansar com ele.

Deixou todos nós com um vazio no peito que se chama saudade. Sabemos que a saudade vai perdendo as forças com o passar do tempo. Ainda mais quando ela deixa de se chamar saudade e passa a se chamar esperança. E é justamente isso que vai acontecer com a memória do Dito em nossa comunidade.

“Deus estava precisando da presença dele lá no Céu”, ouvi de uma senhorinha no final da missa. É isso mesmo, Deus também precisa de pessoas boas perto dele, que não dão trabalho. O Dito será uma bela companhia, descansando, ao lado do Nosso Senhor.

Deixará como ensinamento a certeza de que vale muito mais ser do que ter. Ser amigo, ser presença, ser homem de fé, ser bondoso. Não precisou de muitas palavras, muito estudo, muito dinheiro e nem muito poder. Apenas viveu com simplicidade e isso já bastou para ganhar o descanso no Céu.

Que as almas dos fiéis defuntos, pela misericórdia de Deus, descansem em paz!