Varrendo flores depois da chuva

Ela se levantou lentamente do sofá. A missa da manhã, transmitida pela televisão, havia terminado. Foi até a varanda da casa para ver o tempo. Olhou com atenção o céu, analisou as nuvens, esboçou um sorriso ao ver dois passarinhos brigando por uma migalha de pão. A chuva já tinha deixado o quintal todo molhado, com flores e folhas espalhadas por toda a parte. Pegou a vassoura e começou a varrer em pequenos montes, de maneira silenciosa e sem preocupação com outros compromissos, afinal de contas, aos noventa e três anos de idade, não precisa mesmo ter tanta pressa com a vida.
O silêncio, na maioria das vezes, dá-se pelo alto grau de surdez. Foi perdendo a audição aos poucos, sem se dar conta. Levou muitos anos para admitir que não escutava bem. Sempre disfarçava, dizendo que estava distraída ou ocupada demais. Mas, quando realmente percebeu que era grave essa deficiência, não aceitou aparelhos para ouvir melhor. Penso que já havia se acostumado ao silêncio e não iria abrir mão desse privilégio.
Às vezes, achávamos que ela era seletiva, pois ouvia muito bem o que queria e deixava de escutar o que não lhe era importante. Com a diminuição da escuta, foi calando também as palavras. Começou a escolher quando quer falar e o que quer falar. Passa horas em silêncio e, em outros momentos, balbucia conversas longas consigo mesma. Nessas horas, não se escuta bem o que está conversando, mas se percebe um monólogo intenso sobre algum problema na família ou alguma doença que insiste em perturbar.
Será que está rezando e pensamos que está falando sozinha? Pode ser. É bem provável que esteja fazendo como Ana, a mãe de Samuel, da Bíblia, que, sozinha no Templo, “derramava a sua alma ao Senhor”, com murmúrios incompreensíveis aos ouvidos humanos, mas muito claros e intensos aos ouvidos de Deus.
Observo e fico refletindo sobre as escolhas que fazemos da vida e também sobre a forma como queremos envelhecer. Aliás, envelhecer bem é uma escolha importantíssima. Encontramos hoje uma geração inteira cheia de reclamações e sem muito interesse em se tornar forte e valente, como se apresentava o jovem Davi diante do gigante filisteu. As virtudes e vontade de enfrentar os problemas da vida devem ser adquiridas desde muito cedo.
Percebe-se hoje uma instabilidade emocional, talvez atraída pela falta de uma orientação mais consistente e sólida, onde se aprende que a dor e o sofrimento fazem parte da vida. Não se pode querer tudo ao mesmo tempo e sempre se dar bem e nunca perder. Viver é saber escolher e assumir as consequências de suas escolhas. A vida é dura. É um desafio constante e não chega à vitória final quem não aprende a ser resiliente, isto é, flexível, maleável, dobrável.
Não envelhece bem quem não sai de casa depois da chuva com disposição de varrer as flores que caíram com o temporal. É como recomeçar tudo de novo. Refazer a vida depois de alguma tribulação. É ter disposição de se levantar depois de um tombo e, sem medo, dar novamente os primeiros passos. É preciso buscar um sentido para viver. Algo que seja bom e útil.
A utilidade aqui é muito relativa. Cada trabalho no seu tempo. Cada preocupação na sua hora. No final, sobrarão poucas coisas a serem feitas. Olhar o céu, ver as nuvens, rir dos pássaros, varrer o quintal. Mas quem disse que tudo isso não é importante? Quem disse que tudo isso não nos faz sentir vivos?
Para se sentir bem na vida madura, é preciso ser capaz de se reconciliar com sua própria história. Saber que nem tudo foi bom, mas isso não tira o brilho daquilo que deu certo. É preciso saber viver no silêncio, onde as palavras têm de estar carregadas de significados sólidos para não serem ditas em vão, ou, quem sabe, não serem ditas de maneira errada, abrindo feridas novas e não deixando que as velhas cicatrizem.
A sabedoria passa também por aceitar os limites do corpo, as falhas da memória, as mudanças dos tempos. Parar de achar que o que era do passado serve e o que é de hoje não serve. Os tempos mudam constantemente. Nós mudamos também. O que não se deve mudar é a vontade de viver, a busca pela felicidade, a paz interior.
Acreditar em Deus e ter uma religião sólida, com práticas e hábitos, ajudam a fazer esse equilíbrio entre a alma e o corpo.
É por isso que nossa Igreja tem muitos idosos. Eles sabem que, diante da brevidade da vida, é preciso estar perto d’Aquele que é Eterno. Ao nos aproximarmos do Sagrado, tornamo-nos aptos a tocar o céu. Por isso, durante a chuva, ela assistia à missa. Primeiro abraçar aquilo que não passa, para depois cuidar do que está contido no tempo. Não se colocam as coisas em ordem se a alma não estiver derramada no Senhor.
Aprendo com minha avó. Observo os seus movimentos e a sua luta diária para manter-se viva e equilibrada. O mais bonito disso tudo é que talvez ela nem saiba que tudo o que faz é extremamente importante e nos ensina sobre muitas coisas. Mesmo com poucas palavras, torna-se nossa mestra sobre o sentido da vida.
Que possamos ainda vê-la depois da chuva varrendo flores e nos ensinando, com gestos simples, os conceitos complexos da existência humana e a candura da alma.

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal