Transfigurado

Nos primeiros dias desse novo ano, tenho o privilégio de passar em uma casa de retiros. Um lugar afastado da cidade, cercado de árvores antigas e com uma comunidade de religiosas que têm como carisma espalhar pelo mundo que Deus é misericordioso. Faz alguns anos que as conheço. Sei das lutas diárias de se viver uma vida consagrada a Deus. Mas também sei das alegrias de se ter um sentido nobre para consumir os dias pela causa do Reino de Deus.

Durante muitos anos eu convivi com vocacionados à vida consagrada. Pessoas que traziam consigo um chamado profundo para essa missão, mas que, muitas vezes, também se sentiam inquietos interiormente. Questionavam-se: “Será que essa vida é para mim?” E com o passar do tempo precisavam discernir sobre os caminhos que queriam trilhar. Muitos decidiam logo e, sem perderem tempo, embrenhavam-se nos estudos, nas orações e na lida própria dessa escolha de vida.

Outros, no entanto, continuavam perdidos. Buscando se adaptar ao caminho religioso, mas precisando de ajuda para realmente tomar uma decisão mais robusta. Muitas vezes essa ajuda não era muito bem vinda. E o vocacionado ficava perdendo um tempo precioso, insistindo em vestir uma roupa que não lhe cabia. Sofria ele e sofriam todos os que queriam ajudá-lo e não conseguiam. Nesses casos, só o tempo pode iluminar o caminho e fazer com que a pessoa consiga enxergar o óbvio e dizer: “Essa vida não é para mim”.

É assim em todas as profissões, em todas as escolhas fundamentais da vida. É preciso discernir com cautela, escutar os mais experientes, tentar um pouco e ver com clareza se está no caminho certo. Se não estiver, não perca tempo. A vida urge, corre veloz e não podemos ficar insistindo naquilo que não nos serve.

Todos nós temos algo de bom para fazer. Não consigo acreditar que alguém possa ter nascido sem dons e sem uma missão para cumprir. Por mais simples que possam ser é preciso desenvolver os nossos talentos com maestria e alegria.

Já encontrei pessoas que não conseguiram tomar decisões acertadas e acabaram fazendo escolhas que não eram para elas. Terminaram frustradas, cansadas antes do tempo, mal-humoradas e vazias. São como a terra quando seca por falta de chuva. Não produz nada. Vai ficando dura e triste. Sabemos que assim que cair um pouco de água, ela volta a tornar-se fecunda. Mas com o ser humano é diferente.

Quanto mais frustrado, mais preso fica em seu próprio mundo. Fica orgulhoso e fechado para novas oportunidades. Não basta água, é preciso um pouco de paciência, de firmeza e, muitas vezes, retornar aos frutos que só a espiritualidade e a fé possam oferecer.

Já convivi com pessoas muito difíceis. Amargas e sem misericórdia. Pessoas com muita dificuldade em reconhecer o bem que o outro faz por ela. Não possuem o sentimento mais nobre de todos: a gratidão. E, como nunca agradece, nunca se sente amado e deixa de amar.

Como é triste não ter a capacidade de amar. Ser grato pelas pequenas coisas. Saber o momento de “baixar a guarda” para poder se relacionar com mais leveza e simplicidade. Deixar-se abraçar por aquele que está ao seu lado. Reconhecer que também é preciso receber carinho, afeto, perdão, amizade, para tornar a vida possível.

Com esse grupo de freiras, mulheres consagradas a Deus, de várias idades e com muitos talentos, vejo que ainda é possível buscar o que se tem de mais importante na vida: Deus e a sua imensa misericórdia. Partilhamos a vida, rezamos, estudamos a Palavra, celebramos a Eucaristia. Fazemos silêncio na maioria do tempo, para poder também escutar o que Deus tem a nos dizer.

Faz um bem enorme para mim também. Ouvi esses dias que eu precisava desacelerar um pouco, e é verdade. O problema é que tenho muito medo de perder tempo e não viver a vida de maneira coerente com a minha escolha vocacional. Gosto do que faço e sinto-me realizado com a vida que tenho. Mas, veja você, Deus me deu essa oportunidade de iniciar o ano recolhido, em silêncio e ajudando um grupo de freiras a refletir sobre a vida e a rezar.

Falamos há pouco sobre olhar através das aparências para descobrir as pessoas tal como elas realmente são. Recordamos que Jesus, quando estava no alto do monte, com Pedro, Tiago e João, transfigurou-se para eles, que, incrédulos, viram o Senhor glorificado. Isso foi um presente maravilhoso para aqueles homens.

Também nós somos convidados a ver o outro em toda a sua plenitude. É preciso saber que pode acontecer de, nesse momento, encontrarmos não só alegrias, mas também muitas dores e frustrações que foram escondidas ao longo da vida. E o mais interessante seja também se permitir mostrar ao outro como você realmente é. Mas sem se esquecer de guardar primeiro as armas do orgulho e da maldade que teimam em ficar em nós, prontas para serem usadas.

Preciso parar agora. Jesus espera para adoração. O Santíssimo está exposto sobre o altar da pequena capela. Ele também quer se transfigurar para mim. Se tiver um tempinho, dê uma passada na capela do Santíssimo em sua paróquia, e diga ao Senhor com o coração aberto: “Obrigado. Por tudo e pra sempre. Obrigado.”

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal