Tocar o Eterno

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

                                                                Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

Vá e caminhe pelas suas estradas. Se tiver dúvida, em alguma encruzilhada, qual o sentido deve tomar, tome a direção que o seu coração aconselhar. Se porventura cansar, pare, descanse, durma um pouco e recomece. Olhe a paisagem, encante-se com ela e não deixe que seus olhos se acostumem com a beleza escondida em cada detalhe do caminho.

Deixe-se molhar pela chuva, mesmo que fina e despretensiosa. Ela revigora, traz novamente o verde ao que estava cinza e enche de esperança o broto carregado de flores e frutos que ainda não nasceram. Alcance com o olhar o que muitas vezes passa despercebido pela vista agitada e não se canse de procurar a beleza em cada cor espalhada diante de você.

Carregue consigo lembranças boas que a vida lhe trouxe. Sons de risadas, cheiro de roupa nova, sabor de um doce de leite feito pela avó. Não deixe que suas malas sejam pesadas, elas atrapalham a leveza da viagem e tornam os passos desajeitados e fatigantes. Vá deixando pelos lugares um pouco daquilo que não lhe pertence mais. Leve apenas o que lhe é essencial para ser feliz e fazer felizes aqueles que encontrar pela vida.

Se algum dia encontrar uma pessoa que não olha o céu e nem contempla as estrelas, mire bem nos olhos dela e aconselhe a levantar a cabeça e diminuir o ritmo dos passos. Mostre as cores das orquídeas brilhando ao sol, faça com que sinta o perfume do jasmim e a doçura de uma manga Bourbon.  E se mesmo assim não conseguir fazer com que o outro se torne mais belo, siga o seu caminho e saiba que nem todos estão preparados para viver a simplicidade da vida.

Dê pão a quem tem fome e água a quem tem sede. Mas lembre-se que muitas vezes a fome e a sede também podem ser de amor, de carinho, de compreensão. Assim, carregue consigo a benevolência que só aqueles que têm a capacidade de tocar o que é Eterno conhecem. Seja bom com aqueles que são bons e ensine a bondade para aqueles que ainda não a conhecem. Não se cale diante da violência que o outro lhe apresentar e nem devolva o mal para o mal. Fale com mansidão e grite com o coração.

Torne-se humilde. Humilhe-se, se necessário. Seja húmus que enriquece o solo. Seja solo. E, quando puder, seja solar, luminoso, resplandecente. A terra esconde o nutriente necessário para a flor se abrir e receber todos os elogios pela sua beleza única e efêmera. Assim, dentro da busca eterna pela felicidade seja você a terra e encontre o verdadeiro sentido de ser uma pessoa nesse mundo complexo e ao mesmo tempo frágil.

Quando, pelo caminho, encontrar alguém cantando, cante com ele. Aprenda as canções que ele lhe mostrar e ensine também as suas. Mas, se por ventura encontrar alguém que não goste de música, chore com ele a tristeza de não poder cantarolar a palavra e os pensamentos. É muito triste não colocar notas musicais na vida.

Leve livros na sua mala. Eles lhe darão a segurança de que não estará fazendo o caminho só. Serão a sua companhia nas paradas de descanso. Conversarão com você e o levarão para outras paradas que talvez nunca pisará com os seus pés e nem olhará com os seus olhos, mas ficarão guardadas para sempre nos seus pensamentos.

Se conseguir, escreva livros. Assim você dará oportunidade a outros de caminhar com você, mesmo não estando ao seu lado. Mostrará que a vida é feita de surpresas e também de mistérios. Terá mais pessoas sonhando com os seus sonhos e chegará ao ponto de não se pertencer mais, mas se diluirá em tantos outros corações, em tantas outras gerações que não será surpresa se, no futuro, encontrarem você, mesmo que não esteja mais aqui.

Leia poesia, cante Belchior, admire uma obra de arte. Elas não pesam nada e não atrapalham a sua jornada pelo mundo. Pelo contrário, vai apurando o seu gosto pelo belo e vai lhe mostrando que não é difícil de encontrar e se emocionar com as marcas dos passos de Deus por este mundo. Sim, Ele já andou por aqui. E fez o caminho que você está fazendo. Não tinha muitas roupas e nem perdia tempo “contando vil metal”. Era bom. Sentia em seu próprio corpo a dor dos que sofriam. Carregava na alma a certeza de que o amor jamais se acabará e, mesmo que estrangulado fosse pelas mãos de homens maus, renasceria apesar de ter morrido. Pois também era Ele humilde, humilhou-se e foi húmus, solo para a salvação de muitos.

Busque sempre o verdadeiro sentido dos seus dias e saiba que não se toca a Eternidade com poderio, brutalidade e soberba. O Eterno se deixa tocar por aqueles que buscam em si mesmo o que se tem de mais belo: A certeza de amar e ser amado.

Que o caminho nos seja leve.

 

Foto: Pôr do sol | Flávia Tuniz | Parisi, 03 de abril de 2023