Silêncio

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

Um dia, enquanto a multidão empurrava Jesus e seus discípulos para, quem sabe, receber um milagre em sua vida, uma mulher, sorrateiramente tocou o manto do Senhor pelas suas costas. Diz as escrituras que Ele parou e perguntou: “Quem me tocou?”. Seus discípulos acharam graça da pergunta, pois por algumas horas eles não faziam outra coisa senão tentar afastar aquelas pessoas para não sufocá-Lo. Mas Ele continuava afirmando que sentiu uma força que saiu dele.

A mulher, cheia de medo, apresentou-se e recebeu de presente aquilo que seria impossível, a cura da sua enfermidade que já durava doze anos. Uma hemorragia que arruinava suas forças e a cobria de preconceitos e humilhação.

Ela nos ensinou que, às vezes, basta tocar na ponta do manto do Senhor para receber a cura que precisamos. Não há necessidade de muito barulho, nem de gritos angustiantes e muito menos de cantos bradados à exaustão. O Senhor se apresenta no sussurrar de uma brisa suave, já nos afirmou o profeta Elias. Ele é mais silêncio que barulho. É calmaria e não confusão. É força interior e não força bruta. É suave e não grosseiro.

Talvez seja por isso que muitas pessoas não estão conseguindo mais ouvir a voz de Deus. Estão buscando no meio de um mundo agitado e são atraídas por falsos caminhos de uma espiritualidade mais mundana que celeste. Carregam tanto barulho dentro de si que abafam até a voz da sua própria consciência. Não se escutam mais e por isso gritam, esbravejam, vociferam.

Pode acreditar: Há muitas respostas dentro de nós para resolver os problemas que enfrentamos. Carregamos o poder da cura de muitos males que nos afligem. Basta lembrar o que Paulo escreveu na carta à comunidade de Coríntio: “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo?”. Somos a morada do Espírito da Verdade, do Defensor, do Paráclito. O mesmo enviado por Jesus na festa de Pentecostes, e que, ainda hoje, habita em nós e nos conduz por caminhos seguros.

Conheci, há pouco tempo, um senhor acometido por uma grave doença. Com temperamento forte e jeito firme de lidar com a vida, deixou suas marcas pelos caminhos por onde andou. Mas, no final de tudo, a doença o calou e fez sossegar os seus passos. Tudo isso também fez com que ele se silenciasse e olhasse com mais calma sobre suas escolhas ao longo dos anos.

Descobriu que fez muitas coisas boas, mas que também ainda tinha tempo de perdoar e pedir perdão, pelas escolhas erradas. Assim, numa tarde, pediu que me chamassem, pois queria se confessar. Fui e talvez eu ouvi uma das confissões mais bonitas que minha missão de padre poderá me proporcionar.

Alguns dias depois, após muito sofrimento e dores, faleceu, completando assim a sua jornada nesse mundo.

Tenho certeza que morreu em paz consigo mesmo e deixou para trás todos os fantasmas que atormentavam a sua consciência. Mas, para isso buscou no silêncio dolorido da doença o tempo que precisava para rever a sua vida. E assim o fez. Entre dores e despedidas, reconciliou-se com Deus recebendo o perdão que tanto lhe fez bem.

Ele também tocou, com muito medo, a ponta do manto de Jesus. Foi um toque sutil, cheio de dor, mas ao mesmo tempo revigorante. Aproveitou com muita maestria a última oportunidade que tinha para ficar em paz.

É justamente isso que o barulho e a agitação da vida nos tiram: A oportunidade de refazer o nosso caminho. Faz com que a vida vá se perdendo em meio à ilusão de que tudo está bem. Chega um momento em que percebemos que não está. É preciso apaziguar os ânimos e as certezas, para poder olhar com serenidade para si mesmo e descobrir o quanto misteriosa e profunda é a nossa existência.

A fé nos leva a encontrar esse fogo que purifica as nossas verdades e joga luzes às nossas memórias. O Hóspede da alma, o Consolo que acalma, o Espírito que vive em nós, traz as cores e os sabores do céu à nossa existência na terrena. Torna-nos grandes e eternos, mesmo diante da fragilidade que é viver.

Fui ao velório daquele homem e encontrei muitas pessoas por lá. Descobri que no passado ele conheceu o meu avô e que seus sobrinhos eram meus companheiros de infância. Mundo pequeno esse que vivemos.

Uma coisa pude observar no seu velório, o seu corpo descansava em paz. Serena também estava a sua alma, purificada pela misericórdia divina. No silêncio das suas últimas horas neste mundo ele descobriu o que sempre estava ao seu lado: a mão de Deus protegendo a sua vida.

Que o silêncio seja o nosso amigo e nos leve ao mais profundo do nosso ser. Lá encontraremos a eternidade e o Espírito Santo que habita em nós.

 

Foto: (14 de maio de 2023) Arquivo Pascom / Paróquia São João Batista / Américo de Campos-SP