Reflexões sobre a minha avó

É na simplicidade da vida que Deus se manifesta de maneira intensa. Ao longo da minha vida como padre, tive várias experiências com pessoas que não possuíam grandes preocupações com o ter e com o poder, mas conquistaram uma profundidade do conhecimento sobre como fazer as suas escolhas.
Lembro-me bem da minha avó Maria, que era analfabeta, mas ensinava todos os dias a beleza de ser uma pessoa educada e preocupada com o outro. Deu-me conselhos sobre a vida, contou-me sobre o seu passado difícil e foi um exemplo de esposa, mãe avó e vizinha. Cuidou do meu avô na cama por longos anos e o mantinha sempre limpo, alimentado e sem as feridas que, nessa situação, teimam em aparecer. Era discreta em suas atitudes e possuía um humor leve e interessante. Gostava de água gelada com pedras de gelo no copo e me ensinou a gostar de água de quinino, que tomo ainda hoje, sempre me lembrando dela.
Estive com ela semanas antes de sua morte e me confidenciou muitas coisas sobre a vida. Abriu sua alma e seu coração para mim e tive a certeza de que sua nobreza vinha da sua fé. Acreditava em Deus e sabia da brevidade dos dias nesse mundo. Não queria morrer e sei que seu instante final foi de dores e de medo.
Na sua última internação, o médico disse que o caso era grave e cirúrgico, mas o seu corpo frágil e a sua idade avançada talvez não suportassem tamanho procedimento. Eu fui escolhido para conversar com ela sobre esse impasse: Faria a cirurgia com todo esse risco ou iria para casa e continuaria o tratamento até quando Deus quisesse?
Lembro-me que sentei ao seu lado na cama do hospital e fui bem direto e claro na explicação sobre a situação em que ela se encontrava. Perguntei, com a voz carregada de medo: “O que a senhora quer fazer?”. Ela, sem dar tempo de espera para pensar nessa resposta tão importante, disse com voz firme: “O que você decidir para mim está bom”.
Eu olhei para ela e disse que, se ela aceitasse, iríamos para casa e continuaríamos com o tratamento, sem correr o risco de fazer a cirurgia e morrer num leito de UTI, distante de todos. Ela aceitou.
Viveu de maneira intensa esse último momento. Comeu tudo o que tinha vontade de comer. Comemorou o seu aniversário com uma missa que eu rezei com ela e todos os seus convidados, no meio do jardim da sua casa. Reconciliou com os que precisam se reconciliar e conversou com os que precisam conversar. Assistia ao padre da televisão e nunca deixou faltar o copo de água para ser abençoado e bebido após a missa. Sorriu com todos, chorou sozinha e morreu em casa. Apesar de o socorro ter chegado a tempo, não esperou mais.
Um dia, li um discurso do Papa João Paulo II, que proferiu na prisão, numa visita que fez à Polônia, para um grupo de encarcerados. No final desse texto tinha a seguinte frase: “Não tenham medo de abrir o coração diante Dele, creiam, tenham fé no amor por Ele anunciado! A pior prisão seria um coração fechado e insensível, e o maior mal, o desespero”. Confesso que trago esse ensinamento até hoje.
Diante da história que contei sobre os últimos tempos de minha avó Maria nesse mundo, guardo dela as boas lembranças e a saudade. Mas faço um paralelo sobre essa certeza que me ensinou também o Santo João Paulo II. Não podemos ter medo de abrir o coração a Deus. A busca pela simplicidade de vida enche de sentido a nossa história, principalmente quando descobrimos que não pertencemos a este lugar. Basta Deus em nós. Só Ele enche-nos de riquezas e proporciona uma alegria em viver, que nem a doença e nem as dificuldades da vida conseguem nos tirar.
“A pior prisão seria um coração fechado”. Tenho encontrado muitos corações fechados. Prisioneiros das dores que carregam por anos, e que já foram chamadas de raiva, ódio, rancor, tristeza, solidão. Foram problemas mal resolvidos e que hoje compõem as grades que fecham o coração.
Será que realmente vale a pena tudo isso? Sabendo da brevidade da vida e da sua fragilidade, será que não é perda de tempo carregar pesos desnecessários e buscar mais dores do que a própria vida já se encarrega de nos dar?
Minha avó, nos seus últimos momentos neste mundo, ensinou-me que é preciso deixar-se cuidar. Justo ela que cuidou tanto de tantos, no final pediu a mim para decidir o que seria melhor para ela. O seu coração, apesar de doente, e foi ele o responsável pelo final de sua vida, estava naquele instante livre de todas as prisões deste mundo. E é justamente essa liberdade que precisamos conquistar.
O caminho da fé em Cristo é o ideal para se tornar um ser livre. A simplicidade e o bem compõem, juntos, a chave que abre a prisão dos nossos corações e nos enche de alegria, mesmo diante das tribulações.
A minha avó, mesmo sem nunca ter lido o discurso do Papa, já sabia disso. A vida também pode nos tornar sábios, basta não ter medo de se aproximar do Eterno que habita em nós.

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal