Orientação Espiritual

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

Chove. Há dias que venho olhando para o céu em busca de uma nuvem madura, pronta para desabar sobre a minha cabeça e encharcar toda a minha alma. Mas ela esperou um pouco e, quando cheguei para passar por alguns dias em terras estrangeiras, desmoronou com toda a força acumulada pelo tempo. Chegou carregada de trovões e iluminada por raios que reluziam o céu escuro, desvendando, aos olhos mais atentos, um balé de folhas, galhos e vento.

Enquanto tudo se molha lá fora, eu refaço mentalmente o meu caminho de hoje. Tive um dia cheio de ideias e provocações que só acontece num congresso de padres que tem como uma de sua missão orientar outras pessoas espiritualmente. Confesso que não é uma tarefa fácil. Mas quem disse que a vida é simples? Pelo contrário. Viver é estar aberto às surpresas boas ou ruins, que sempre aparecem em nossas vidas.

É necessário, em algum momento, buscar o sentido de tudo aquilo que se vive. A existência humana é complexa e profunda. Por isso mesmo, a busca pela espiritualidade tende a ajudar nesse emaranhado de ideias e informações que vamos acumulando ao longo do tempo.

Quando se encontra no cristianismo um caminho seguro para buscar as respostas para a sua existência, acaba se confrontando com o seu próprio eu e isso é inevitável. Não tem como fugir disso. A jornada pela busca por Deus nos mais alto dos céus começa bem no chão onde estamos. O ponto de partida sempre seremos nós mesmos. Por isso, não precisa ir muito longe e nem de muitos malabarismos para encontrar o Sagrado. “Deus está aqui, tão perto como o ar que eu respiro”, diz um canto antigo da nossa Igreja.

Santo Irineu de Lyon, que viveu no início do cristianismo, no século dois, disse: “A glória de Deus é o ser humano vivo”. Isto é, pleno de sua humanidade, inteiro e dono de si. Estar sempre pronto para fazer as escolhas da vida e assumir as responsabilidades por essas escolhas. Ser conhecedor de seus talentos e também de seus limites. Sabedor do seu lugar nesse mundo e disposto a crescer na leveza e no amor.

Esse olhar para si, evidencia a certeza da brevidade da vida nesta terra, mas torna profunda e certa a imortalidade no céu. É no livro da Sabedoria que encontramos a frase: “esperança é cheia de imortalidade”. É isso que descobrimos quando olhamos para dentro de nós mesmos: Uma esperança na humanidade que supera todos os dissabores e traumas produzidos pelos relacionamentos humanos.

Um orientador espiritual precisa, antes de tudo, encontrar a bússola da sua própria espiritualidade. Mas, saber para onde vai, nem sempre é fácil. Às vezes parecemos todos como barcos perdidos em mar aberto, sem vela e sem remo, ao sabor do vento e da correnteza. Quando encontramos alguém que segura a nossa mão e nos salva do naufrágio iminente, parece que tudo ganha um novo sentido. Não há médico que nunca precise de remédio. Não há padre que nunca precise de bênção. Não há ser humano que nunca precise de ajuda.

Nessa busca constante em saber quem somos e para onde vamos, deparamo-nos com Deus. Tão distante e tão próximo, que, a princípio, nos perdemos nas tentativas em querer desvendá-Lo. Quando descobrimos que o importante não é esclarecer ou desenredar os mistérios que O envolvem, mas amá-Lo e deixar que Ele nos ame com toda a intensidade, aí paramos de perder tempo e começamos a entender que quanto mais humano eu me torno, mais perto do Divino eu me encontro.

Mas não podemos esquecer que é preciso uma honestidade nessa busca pelo Sagrado em nossa vida. O desapego, o perdão, a humildade e a solidariedade são importantes para não nos perdermos nessa busca sincera por Deus. É preciso um esforço para não deixar que Deus seja aquilo que você acha que Ele é. Mas que seja o Deus verdadeiro, ensinado por Jesus nos evangelhos.

Assim, para alguém que quer se aprofundar na espiritualidade cristã, não é possível encontrar o Deus verdadeiro fora da Igreja. Longe da Tradição, do Magistério e da Sagrada Escritura, transformamos Deus em nossa marionete, sempre pronto a confirmar as nossas loucuras e a abençoar as nossas insanidades.

O caminho da espiritualidade está intimamente ligado à prática evangélica. Sentimos cada vez mais carência de cristãos comprometidos com um mundo mais justo a partir da busca do bem comum. Não se faz cristianismo pensando de maneira egocêntrica e muito menos sem o compromisso da luta por um mundo de paz.

Não escuto mais a chuva batendo na minha janela, mas tenho certeza de que lá fora ainda escorre a água deixada por ela, lavando e fecundando a solo. Termino aqui esse texto repleto de palavras e ideias que povoaram o meu dia hoje. Vou dormir com a mente cheia de reflexões que vão se organizando e amadurecendo. O certo mesmo é que cada dia mais acredito na força da fé em Jesus e na cura das relações que essa fé realiza em nós. Que essa força seja fecunda e produza muitos frutos, como a chuva que acabou de cair.