O sofrimento nosso de cada dia

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

 

Apertou firme a minha mão e disse: “Por que tenho ainda que sofrer tanto?”. Foi assim que encontrei minha avó aos gritos de dor no quarto do hospital. Tinha caído em casa e quebrado o fêmur, o que lhe causou um misto de dor extrema na perna quebrada e uma confusão mental por não entender bem o que estava acontecendo e nem para onde a tinham levado. Não conseguia associar o ambiente do hospital com a sua dor e isso lhe causava um sofrimento ainda maior. Quando cheguei, os enfermeiros estavam se preparando para levá-la à sala de radiografia. Os gritos de dor ultrapassavam as portas, os quartos e os corredores da Santa Casa. Eu conseguia escutá-los também no fundo do meu coração que, a cada batida, doía junto com a dor dela.

Há muitas dores no mundo. O sofrimento faz parar os nossos sonhos, muda a nossa vida e nos obriga a refazer o movimento cotidiano da nossa existência. De repente, tudo precisa ser reinventado. Vem na mente um inconformismo e junto a pergunta: “O que fiz para merecer isso?”. Às vezes, a respostas é simples: “Não fez nada”. O simples fato de existir já nos dá a garantia de que a dor possa surgir a qualquer momento.

O desejo de quem vê uma pessoa querida com muitas dores é o de querer estancar aquela aflição. A vontade de tirar com as mãos todo o suplício e colocar em seu próprio corpo, só para ver o outro parar de sofrer. Mas isso é impossível. Encontramos uma sensação de impotência em não poder fazer algo eficaz para resolução daquele problema. Resta-nos nesse momento o “sofrer junto”, apenas pegar nas mãos, acariciar suavemente e dizer com os olhos: “Estou aqui ao seu lado”.

Uma situação ainda mais agravante da minha avó é que ela é alérgica a quase todo tipo de analgésico, que são os remédios para dor. Com isso, demora mais para aliviar o peso do seu calvário. O que para alguns uma simples dose de medicamentos traz alívio imediato, para ela desenvolve uma reação alérgica fortíssima, trazendo ainda mais desconforto e perigo.

Todo o cuidado foi tomado. Minha mãe tinha, em uma das mãos, a lista de medicamentos proibidos e, na outra, as possíveis soluções e sempre dá certo, quando são observados ao pé da letra. Dava para perceber o olhar de espanto do médico com a lista nas mãos, pois pensava no que precisaria fazer para curar a dor sem usar o caminho convencional dos analgésicos.

Uma das palavras gregas usadas na etimologia da palavra “analgésico” é a palavra “algoz”, que significa pessoa que age com crueldade, realizando atos horríveis, e que causa dor e sofrimento. Nessas horas, a fé nos leva à cena da crucificação de Jesus com todas as suas provações. Sei que não é fácil, mas, em muitas situações, unir o nosso sofrimento ao sofrimento de Jesus na Cruz traz um alívio espiritual. O corpo continua doendo, mas a alma vai serenando.

Temos muitos ensinamentos de Jesus quando estava morrendo na Cruz. Um deles é o perdão dado aos seus algozes, aqueles que o faziam sofrer. “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”. Perdoar a origem do sofrimento, o fato que o levou a sofrer ou as pessoas que ocasionaram aquela dor, talvez seja um caminho seguro e eficiente para amainar nossas próprias dores.

Existem situações que não resolvem as lamentações e muito menos ficar pensando se tivesse feito diferente, se tivesse tomado mais cuidado, se tivesse evitado tal movimento brusco, enfim, nada mudará o que aconteceu. Mas, de maneira muito especial, recorrer à fé em Jesus e ficar ao seu lado nesse momento é aprender como lidar com a frustração que o infortúnio lhe trouxe.

A palavra correta para isso seria “aceitação”, isto é, o acolhimento de como estou agora. O que aconteceu já foi, agora é aceitar a nova realidade, podendo ser passageira ou não, e recomeçar. Perdoar os algozes que me trouxeram a essa situação e se abrigar no Coração de Jesus, onde a dor passa e a esperança nunca acaba.

Não é tão tranquilo pensar em tudo isso na hora do desespero, mas a fé exige de nós um exercício diário de resiliência e de fortaleza. A alma também precisa exercitar-se constantemente. Por isso a importância de acreditar em Deus, frequentar a sua Igreja, estar em dias com as suas orações.

Minha avó já voltou para casa. Passou por uma cirurgia e as dores intensas cessaram. Só que chegaram as dores do dia-a-dia, aquelas que precisam de um pouco mais de tempo para que o corpo se acostume à cama, à cadeira de rodas, aos movimentos lentos e limitados. Afinal, noventa e três anos de vida exigem um pouco de atenção e paciência nos cuidados. Mas, apesar de tudo, ela está bem. Ganhou um rosário novo, está recebendo visitas de pessoas queridas e voltou a assistir às missas pela televisão, todos os dias.

Há sempre uma luz no fim do túnel. Há sempre esperança depois do despereço. Há sempre ressurreição depois da cruz. Afinal, a dor não dura para sempre para aqueles que têm a fé como alicerce dos seus dias.