O retiro dos Padres

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

                                                                         

Aqui estou de novo no alto da montanha. Da janela do meu quarto, a mesma araucária que me fez companhia em outros momentos de silêncio e meditação realizados em anos anteriores, nesse mesmo lugar. Os pássaros continuam realizando os seus gracejos, dando rasantes sobre as flores do jardim e apresentando o seu balé coreografado pelo instinto de sua própria natureza. Em frente à capela, um pé de manacá-da-serra exuberante faz o azul do céu ficar mais intenso. Como pode caber tanta beleza num rápido lançar de olhos?

Logo de manhãzinha, quase ao mesmo instante em que o sol começa a acordar os seus primeiros raios, aquecendo assim o vento gelado que a noite trouxe, na capela ornada por vitrais e flores, o Santíssimo Sacramento já está exposto para uma adoração silenciosa. Aos poucos, os padres vão chegando. Cada um trazendo a sua história e as marcas dos anos no corpo. Alguns, jovens demais na missão, e outros, já calejados pelo ofício de pastorear, governar e santificar o povo que tem por cuidado.

Como explicar a vocação do sacerdote? Confesso que não sei. Até me arrisco em falar de chamado de Deus, ou de dom dado do alto, e até mesmo em amor que transborda do coração do Pai. Mas, explicar essa vocação é realmente difícil, pois esbarra na condição humana de pecador. Há um limite que nos condiciona a viver presos à matéria, ao mundo visível, àquilo que só os olhos e os sentidos conseguem captar.

Mas o sacerdócio nos faz, em alguns momentos, romper esse limite e nos tornar “in persona christi”, isto é, “na pessoa de Cristo”. E se não fosse assim, como seria a celebração de uma missa, onde o pão se transforma em corpo e o vinho em sangue do próprio Jesus? Como poderia o homem perdoar pecados no sacramento da confissão, se não fosse o próprio Deus se fazendo presente em sua infinita misericórdia?

Pecadores e falhos somos nós, pobres padres. Que levantamos com o frio da manhã e encontramos o Senhor sobre o altar, disposto a aquecer os nossos corações, a ouvir a nossas orações e a falar conosco. Sim, Ele fala durante o retiro. Escutamos a sua voz que, às vezes, orienta-nos, outra nos consola e outra ainda nos adverte e insiste para que sejamos santos.

Em determinado momento da adoração, os padres vão abrindo o livro da Liturgia das Horas e iniciam-se as Laudes. Cantam-se os salmos do dia, escuta-se a Palavra de Deus, fazem-se as preces e pedidos em nome da Igreja e recebe-se a bênção. Os trabalhos do dia já podem começar. As orações estão prontas e o coração está leve.

O pregador, um bispo experiente e cheio de histórias boas de se ouvir, vai tecendo as palavras de modo manso e seguro. O tema principal é a oração. Visto por diversas óticas, este tema faz-nos refletir sobre algo que, como padres, sempre falamos para os fiéis. Mas quem fala sobre isso a nós? Onde vamos buscar conteúdo para levar ao povo? Ninguém dá aquilo que não tem. Por isso a importância desse retiro anual, feito com calma e ao longo da uma semana inteira. É como reencontrar um tesouro que já sabemos onde está, mas a rotina e as obrigações dos dias nos distanciam do seu valor.

Depois da prédica do bispo ancião, vem o deserto. Estar com o Senhor em meio ao silêncio e à natureza é um privilégio. É hora de ouvir o que o Senhor tem a falar. Já rezamos, ouvimos o pregador, trocamos algumas conversas com os padres que estão mais próximos, e silenciamos. É na brisa suave e mansa que o nosso Deus se apresenta. Não adianta buscá-lo em meio ao barulho exterior e muito menos aos ruídos interiores.

Aprender a fazer silêncio é um desafio. Mesmo para o padre mais experiente. Estamos acostumados a falar de tudo e de todos. Temos sempre uma opinião a dar, uma situação engraçada para contar, um diz-que-diz a atualizar ou uma murmuração a fazer. Parece que até entre nós o silêncio amedronta, dói, incomoda.

Acredito que um verdadeiro sábio se faz também de silêncio. Não precisamos saber tudo que acontece ao nosso redor e muito menos falar sempre as mesmas coisas. A sabedoria também se faz na escuta do coração. Do próprio coração.

Algumas vezes, percebo que o desejo de falar está associado a não querer se ouvir. Nossos pensamentos nos traem e podem trazer à tona quem realmente somos. Fitar nossos olhos no espelho e encarar nossos medos e traumas, realmente é desafiador.

Depois de um dia todo de palestra, silêncio, oração, refeições, chega o final da tarde. A capela volta a receber os seus retirantes. Vão chegando aos poucos, vestidos de branco, com a estola colgada no pescoço, e o desejo de celebrar a eucaristia.

O bispo pregador é agora o ministro da celebração e vai nos conduzindo ao caminho da reflexão e do confronto com a nossa própria vocação. “O Senhor esteja convosco!”, ouvimos na proclamação da Palavra, e respondemos sem titubear: “Ele está no meio de nós!”.

Sim. Ele está também em nosso coração. Nunca nos abandonou, mesmo quando caímos, quebrando a aliança de amor que fizemos com Ele. Nunca nos abandonou! Vou pensando enquanto subo ao meu quarto e espero o sono chegar junto com o frio da madrugada, carregando na alma a certeza de que, com os primeiros raios do sol do dia seguinte, o Senhor estará lá, sobre o altar da pequena capela, nos esperando para começarmos um novo dia.

Foto: Seminário Santo Antônio. Serra de São Pedro/SP.
(Foto de 29 de junho de 2023)