O que realmente vale a pena

Trago comigo algumas memórias da minha vida como padre. Coisas tão distantes, que o tempo deixou para trás arquivado em algum lugar do passado, mas que, de vez em quando, volta a fazer parte dos meus pensamentos. São pequenos recortes que se juntam e formam aquele que sou hoje. Aliás, não é assim mesmo que acontece com todos nós? Pequenas histórias vividas com intensidade e que, ao se encontrarem na memória, percebemos quão belo somos.

Chovia quando saí de casa de madrugada para ir morar no seminário. O longo caminho percorrido até lá foi de poucas palavras e muitas dúvidas. O pensamento não aquietava e um misto de ansiedade, medo, alegria e tristeza povoavam o coração que trazia, apesar de tudo, uma certeza de que estava fazendo a coisa certa.

Conforme íamos avançando na viagem, a paisagem mudava. Deixei para trás o meu mundo já estabelecido nas cores e nos sabores para ir em busca de cores novas e sabores desconhecidos. Os manacás-da-serra, vistos pela janela do veículo que nos levava, é que traziam beleza em meio ao turbilhão de emoções e prefiguravam o que, pelos próximos vinte anos eu iria experimentar: “Beleza e emoções”.

Três coisas carreguei com a minha bagagem: a certeza de que nunca esqueceria de onde vim, o medo de não ser medíocre nas minhas escolhas, e a vontade de chegar ao final da minha vida e não ter a alma repleta de arrependimentos e solidão.

Fui percebendo nessa minha caminhada que há uma linha tênue que separa a sensatez da loucura. Chamo esse limite de bom senso e que vai delineando nossas escolhas e definindo nossa história de vida. O bom senso nos ajuda a olhar o mundo com mais clareza, sempre lembrando que o primeiro lugar que é preciso ser olhado e conhecido somos nós mesmos.

Trazemos muito da nossa criação familiar e das oportunidades que a vida foi nos proporcionando e sabiamente fomos aproveitando. Somos uma soma de tantas situações e de tantas pessoas que é preciso ser grato por tudo o que nos deram. Até aquilo que não foi tão bom. Às vezes, o outro não traz consigo algo positivo para oferecer. Também ele é constituído de tantas histórias de vida que, ao invés de dar, precisa mesmo de receber.

O mais difícil é quando esperamos muito de alguém ou de alguma situação e ficamos frustrados com aquilo que encontramos. Nessa momento precisamos estar muito seguros de quem realmente somos e, assim, ir sustentando nossa vida com as nossas próprias provisões, e, no meu caso, sempre busquei na fé que aprendi da Igreja, a buscar na providência de Deus o que realmente era necessário para minha vida.

Posso testemunhar que fui muito mais feliz daquilo que Deus me proporcionou do que realmente eu esperei das estruturas ou de algumas pessoas. Deus é maravilhoso. Cuida com carinho, espera com paciência, cura com precisão as nossas feridas.

Um dia, estava sentado na cozinha da Mariazinha, uma senhora quase centenária, que vivia sozinha numa casinha com um bico de luz que iluminava todos os cômodos. Ela, no pequeno fogão, fazia, de modo antigo, uma torta de camarão. Acredito que ali eu pude sentir o amor de Deus na minha vida de maneira tão profunda que parecia que aquele momento não iria nunca acabar. Debaixo da mesa ficava uma bilha com água, onde ela tirou uma pequena garrafa de refrigerante Jesus e abriu com um sorriso nos lábios dizendo, aqui é a minha geladeira. E realmente, a Cola Jesus estava numa temperatura agradável.

Comi aquela torta, bebi o refrigerante e disse a ela que eu iria embora de São Luís por um tempo. Iria morar em Roma, para realizar um estudo. Ela me olhou com ternura e começou a chorar de saudade, disse-me entre soluços. E eu, chorei também, só que de felicidade por tamanho carinho que estava recebendo naquele momento. Carinho de Deus através das lágrimas daquela velha senhora.

Tenho muito medo, confesso, de perder essa sensibilidade em acolher e respeitar o outro que aparece em minha vida. É muito triste encontrar pessoas ensimesmadas, preocupadas com elas mesmas, prontas a passar em cima de tudo para alcançar os seus objetivos. É apavorante o que o mundo faz no coração daqueles que não aprendem a amar a Deus e ao próximo. Parece que só conseguem amar a si mesmos e isso acaba por destruir até o bom senso que deveria regular as suas escolhas de vida.

Viver é, antes de tudo, ser grato por tudo o que somos e temos. É buscar o suficiente para abastecer a alma e distribuir aos que encontrarmos pela frente. É luta constante, mas também alegria. É acreditar na vitória antes mesmo da batalha começar.

Recomeçar quando não estamos felizes, respeitar a dor do outro quando carregamos também a nossa, aceitar que antes de receber eu devo dar. Só assim construiremos relações sólidas e verdadeiras.

É triste conviver sem se amar. “Viver o dia sem admirar o Sol ou viver a noite sem se apaixonar pela Lua”, como diz uma canção de um velho cantor que já morreu. Encontramos pessoas assim no mundo hoje. Que reclamam ajuda, mas não ajudam e sofrem pois não aprenderam a amar.

A cabeça de um padre reflete sobre tudo isso e muito mais. Que Deus nos ajude a acertar mais do que errar e a não negligenciar o amor, pois só isso é que realmente vale a pena.

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal