O lírio do campo

Já faz algum tempo que penso sobre o sentido da vida. Não sei ao certo como definir esse termo “sentido da vida”, mas acredito que vale a pena buscar um conhecimento sobre si mesmo. Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? São as clássicas perguntas filosóficas que nos ajudam a descobrir que somos muito mais do que simplesmente existir.

Também penso que não podemos reduzir essa reflexão a ideias deterministas que já trazem prontas um traçado do destino para os acontecimentos que precisamos viver. Somos mais do que realmente sabemos sobre nós. Carregamos nossa história condicionada a uma cultura, uma época, uma família, uma religião, um temperamento. É preciso refletir sobra a colcha de retalhos que os anos foram tecendo até formar quem somos agora. Mas nada é estático nessa vida, tudo continua em movimento.

Desde muito cedo aprendi que somos livres para fazer as nossas escolhas. Senhores do nosso destino. Donos da nossa vida. E isso é realmente verdade. Cada um de nós tem a responsabilidade de construir os próprios caminhos. Somos responsáveis pelas nossas escolhas e temos que lidar com as consequências de tudo o que fazemos.

É claro que, entre nós, há muitos que precisam de auxílio para essa tarefa. Há ainda aqueles que não possuem a capacidade ou não tiveram a oportunidade de cuidar de si mesmos. Aqui nasce o conceito de solidariedade entre nós. Podemos também chamar de amor mútuo.

A grande maioria dos ensinamentos de Jesus passa por esse viés: “Amar e deixar-se ser amado”. Esse amor transcende as pessoas e as coisas desse mundo. Ele toca o Sagrado e nos faz descobrir que eu posso amar porque primeiro fui amado e posso perdoar porque primeiro fui perdoado.

É frustrante encontrar pessoas que não conseguem pedir ajuda quando tudo em sua vida está de cabeça para baixo. Aliás, há pessoas que nem percebem essa condição em que vivem. Aprenderam a cobrar muito dos outros e a dar pouco de si. Perderam a capacidade de discernir o certo do errado. Não conseguem distinguir aqueles que possuem a capacidade de ajudar com aqueles que não estão interessados no seu crescimento. Essas pessoas, geralmente, não estão dispostas a fazer renúncias e sacrifícios.

Há uma grande enfermaria nesse mundo com doentes não diagnosticados, mas que sofrem uma dor na alma. Disfarçam o seu sofrimento e continuam vivendo a sua vida. Trabalham, mas não se sentem úteis. Moram com seus familiares, mas não se conversam. Frequentam as igrejas, mas não rezam. Sorriem, mas não são felizes.

Não conseguem olhar nos olhos para ter uma boa conversa. Não se abrem porque possuem uma enorme dificuldade de confiar no outro. Escondem-se de si mesmos. Fazem mal para si e para os que estão ao seu redor. São pacientes sem médicos. Anônimos em sua própria história. Vagam pelas ruas apressadamente sem ter um rumo certo e sem fazer uma parada para o descanso. Apenas sobrevivem.

O remédio talvez seja almejar uma liberdade que ainda precisa ser conquistada. Ser livre para amar e ser amado. Livre para olhar ao redor de si e descobrir que muitas doenças e distúrbios são crias de suas próprias escolhas. Livre para enxergar os próprios erros e dizer baixinho: “Eu preciso mudar!”. Livre para escolher o seu caminho e ser feliz. Livre a ponto de saber que o outro não deve determinar quem sou eu, mas essa incumbência eu mesmo tenho que cumprir.

A liberdade da alma nos ajuda a encontrar Deus com mais clareza. A religião fica mais leve, a vida mais bonita, as pessoas mais inofensivas. Assim, acabo encontrando o sentido de viver. Descubro que ser livre e responsável pelos meus atos é, na verdade, a essência de todo o nosso ser.

“Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa”, disse Jesus, num dia em que ensinava sobre as coisas do céu. “Aprendei com os lírios do campo”, continuou dizendo, “como crescem, e não trabalham e nem fiam. E, no entanto, eu vos asseguro que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles”. Com isso, aprendemos que a liberdade em ser como somos abre um campo fértil para a graça de Deus em nós. Se Ele cuida assim de uma flor, com tanta delicadeza, com tanto amor, imagina o que o Senhor é capaz de fazer conosco. Deixar-se amar, eis o segredo para a cura de tantos males da nossa época.

Eu frequentei, por muitos anos, alguns conventos de freiras de clausura. Aquelas que ficam nas casas, atrás de grades. Não saem de casa, só quando estritamente necessário. Confesso que nunca vi tanta liberdade como naqueles mosteiros. Livres para Deus. Mulheres que, por vontade própria, separam-se do mundo, não porque se decepcionaram ou fizeram algo errado e resolveram se esconder, mas para encontrar a sua própria existência.

Quando a liberdade está em ser de Deus, olhamos nos olhos em uma conversa. As palavras são cuidadosamente escolhidas, o tempo respeitado e bem utilizado. Tornamo-nos mais intensos e menos vulgares. Encontramos o nosso próprio eu e, ali, descobrimos que não estamos sós, pois Deus já havia feito a sua morada em nós.

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal