Não pode desanimar
Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Quando entrei na casa, deparei-me com um senhor idoso deitado no sofá. Olhar triste e distante demonstrava o sofrimento em carregar consigo uma doença que o consome há anos. Começamos a conversar e logo os seus olhos ficaram carregados de lágrimas que teimavam em cair. Ele tentava disfarçar, mas não conseguia. A tristeza era mais forte que a sua vontade de sorrir.
Aos poucos foi abrindo o seu coração. Homem da roça, trabalhador, sem medo do peso da lida diária. Durante toda a vida viveu para o trabalho e para a família. Agora estava ali, diante de mim, deitado, com uma sonda ligada ao seu corpo e tentando entender, apesar dos diagnósticos médicos e dos cuidados da família, o que realmente estava acontecendo com a sua vida. O desejo, estampado no rosto e explícito na fala, era de levantar dali e ir tirar o leite das vacas, preparar a horta, cuidar dos porcos e das galinhas. Mas tudo isso foi-lhe tirado. Ficou tão distante essa realidade que não conseguia se conformar com os rumos que a sua vida tomou.
Ao seu lado estava a esposa. Idosa também, mas decidida a cuidar do marido. Ela disse com a voz límpida e forte: “Ele não pode desanimar. Precisa lutar e não perder a fé. Já trabalhou muito nessa vida e agora precisa descansar”. Achei tão bonita e tão cheia de significados essa fala dela. O rosto dela, diferente do dele, não demonstrava tristeza e nem sofrimento, apenas amor pelo marido que, agora, dependia totalmente dos seus cuidados.
Ele me disse que nunca brigaram sério. Viveram muito bem esse casamento de mais de cinquenta anos. Criaram os filhos, alegraram-se com a chegada dos netos, e cultivaram o respeito e a responsabilidade durante toda a vida de casados. Até os filhos admiravam o casamento dos pais e falavam com orgulho sobre isso.
“Ele não pode desanimar”. Essa é a forma com que ela continua mantendo a promessa do seu matrimônio, como disse: “Estamos fazendo o que padre falou no dia do nosso casamento”. E eu, como padre, fico imaginando a beleza desse Sacramento tão incompreendido hoje em dia. O que o padre falou e que ela não esqueceu foi: “Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”. O amor também passa pelo crivo da dor e, muitas vezes, amar também é sofrer, mas sem se omitir da tarefa de um ajudar a carregar o outro.
Para que ele não desanime, ela precisa se manter firme. Não deixar que as lágrimas transbordem dos olhos, pelo menos não na frente dele. E, para isso, é preciso acreditar em algo superior. É preciso recorrer à fé em Deus, que nunca a abandonou e que se faz presente também nessa etapa da sua vida.
Desanimar é deixar que a “anima” escape do corpo. Anima é o que nos faz respirar, nos mantém vivos. É a alma que carregamos e que dá dignidade e imortalidade a esse corpo mortal. É o sopro do criador nas narinas do boneco de barro, transformando-o em gente. É por isso que ela insiste em lembrá-lo para que nunca desanime. Sem essa força a vida perde o sentido. A dor se torna gigante e invade toda a nossa capacidade de renascimento. Perdemos a capacidade de lutar pelo triunfo da vida sobre a morte.
Enquanto ele enxugava as lágrimas, entre uma conversa e outra, ela, debruçada sobre o sofá onde ele estava, mais ouvia do que falava. Dava espaço para que ele falasse. Sabia que a sua presença era importante, mas também sabia que, naquela hora, ele deveria colocar para fora toda a sua dor e o seu desânimo, para poder dar espaço à esperança.
Viver é maravilhoso. Viver com fé em Deus é extraordinário. Mas, viver tendo alguém do seu lado, segurando a sua mão e o ajudando a levantar-se, é simplesmente divino. É como deixar que as mãos de Deus tocassem a sua carne, abraçasse o seu corpo e te colocasse de pé. É experimentar o que Paulo, no final da sua vida, escreveu sobre a sua experiência com Jesus: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim”.
Enquanto tantas pessoas continuam buscando o sentido para as suas vidas ou sofrimentos, outras descobriram que a resposta para tantas dúvidas está em amar e ser amado. Ainda teimamos em buscar soluções distantes e complexas para os problemas do mundo. Mas, diante da dor desse senhor, pude perceber, mais uma vez, que o remédio para os nossos males ainda é a fé em Deus acompanhada do amor fraterno entre nós.
Eu tentei dar ao ambiente um pouco de leveza. Durante a nossa conversa, tentei arrancar dele algum sorriso falando de futebol e outros assuntos corriqueiros e, para minha surpresa, consegui. Saí daquela casa com a imagem daquele senhor sorrindo e prometendo um almoço, em qualquer futuro próximo.
Fui levar a bênção e o consolo para um senhor doente e, no final, fui eu que saí abençoado e consolado. É sempre assim quando os olhos procuram os milagres de Deus no cotidiano da vida.