“Não fui curada”

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

                                                                         

Eu tinha acabado de almoçar. Estava me preparando para um pequeno descanso, antes de reiniciar os trabalhos da tarde, quando recebi essa mensagem: “Sua bênção, Padre. Continue rezando por mim. Não fui curada. O meu câncer voltou. Tenho que fazer biópsia e, de novo, a quimioterapia. Estou muito triste por ter que fazer tudo de novo. Ando com muita dor e fraqueza, mas preciso muito da sua ajuda. Quero a sua bênção”.

Passei o resto da tarde pensando sobre o sofrimento que a vida, por vezes, tende a nos proporcionar. Não é tão fácil assim viver. Há uma fragilidade em manter-se sempre bem, disposto e com saúde. Mas há também uma força extraordinária que pode, mesmo nas adversidades, fazer com que busquemos a alegria de estar vivo, de existir.

Faz pouco mais de um ano que a conheci. Chegou justamente para me contar sobre a dor que estava sentindo e o medo do tratamento que iria iniciar. Os médicos não conseguiram chegar a um diagnóstico rápido e foram longos meses de exames, internações, injeções, remédios. O cabelo caiu, a rotina dos dias mudou, algumas pessoas se aproximaram para oferecer ajuda e solidariedade, outras se distanciaram devido à correria da vida. Mas ela se manteve firme, com seu marido ao seu lado. Nem sempre foi fácil, mas sempre foi guerreira. Lutou muito e enfrentou grandes batalhas.

Os resultados de tamanho esforço foram positivos. Conseguiu controlar a doença e, aos poucos, as dores foram cessando e o tratamento foi ficando mais brando. Recebeu alta, voltou para casa e começou a falar das maravilhas de Deus em sua vida. Voltou a frequentar as missas dominicais e encheu o meu coração de alegria quando a vi de volta à igreja. O cabelo tornou a crescer e a vida, apesar de tudo, foi voltando à normalidade.

Viver é realmente um grande mistério. Parece que só a maturidade, que os anos se encarregam de trazer, faz adquirir o verdadeiro sentido de existir. Quando possuímos um conhecimento cristão e descobrimos a fé como configuração ao próprio Cristo, aprendemos com São João que “Deus é Amor”. Isso, a princípio, é maravilhoso. Enche-nos de alegria a certeza de que temos um Deus que nos ama incondicionalmente e, se não bastasse esse amor total, ainda é um Deus pleno de misericórdia. Estende a mão aos que estão caídos à beira do caminho e dá uma nova oportunidade de encontrar a felicidade. Cuida de nós aqui e prepara um lugar para o depois do existir terreno, pois a vida uma vez dada nunca mais termina.

Mas, com o passar do tempo, vamos entendendo que esse Amor não nos protege das dores do mundo. Somos suscetíveis às doenças, traições, mortes de pessoas queridas, decepções e humilhações. E nos perguntamos: “Onde está esse Deus que é Amor? Por que permite que passemos por essas experiências tão doloridas?”.

Vou lhe contar um segredo: Às vezes, nem eu sei bem o que dizer diante de tanto sofrimento, principalmente de pessoas que, aos olhos de todos, não deveriam sofrer tanto, pois trazem consigo um coração bom e generoso. A única resposta que encontro e que aquece o meu coração de certezas e esperanças é quando olho Jesus na Cruz.

Ao ouvir: “Pai, por que me abandonaste”, este grito lancinante que deu antes de morrer, compreendemos o que realmente pode sentir uma pessoa acometida pelo sofrimento. O vazio que se pode encontrar no peito de alguém que não consegue entender o porquê está passando por tanta dor, encontra eco na queixa desoladora de Jesus na solidão da Cruz. Por de trás dessa queixa estão as perguntas: “Por que eu? O que fiz para merecer passar por isso?”.

“Não fui curada”, escreveu ela com muita dor. Senti nessa frase um pedido de socorro. E quantas pessoas precisam de um apoio nesse momento de desespero. Nossa resposta sempre deve ser com proximidade, acolhimento, compaixão e, de maneira muito especial, rezar por ela e com ela.

São João, na sua primeira Carta, traz um entendimento muito interessante sobre o amor de Deus por nós. Escreve assim: “Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros”.

Aqui está a resposta que precisamos para a cura dos nossos males. O amor de Deus por nós vem em primeiro lugar, e, apesar de todo o sofrimento que passamos, Ele nunca deixará de nos envolver com o Seu amor. E, mesmo que desistamos de amá-Lo sobre todas as coisas, o amor d’Ele sempre estará em nós.

“Quero a sua bênção”, disse ela, encerrando assim a mensagem que me enviou. Digo de todo o coração: “Você sempre terá a minha bênção”. Estávamos juntos no primeiro momento do tratamento, comemoramos a sua alta e o seu retorno às missas, e, agora, novamente estaremos juntos nessa segunda etapa. Sei que não será fácil, pois a primeira já não foi. Mas sei que é possível fazer esse caminho com confiança e determinação. Deus estará ao seu lado, e o Seu amor é mais forte que todo o sofrimento que precisará enfrentar.

A cura virá novamente. E, com a esperança que nunca nos decepcionada, confiemo-nos no Senhor. Ele sonda os nossos corações e se compadece de nossas dores. Sempre bondoso e compassivo é o nosso Deus.