Ele estava conosco no café da manhã

Cheguei apressado na casa dela para dar-lhe a bênção. Ultimamente tem sofrido muito com as dores da doença, que acabam fragilizando também a alma. Não teve uma vida muito fácil. A personalidade forte levou-a para caminhos distantes e pedregosos, machucando os seus pés e o seu coração. Afastou-se das pessoas que mais a amavam nesse mundo e acreditava que estava certa nas suas escolhas.

Depois de ter levado muito tombo, entendeu que era necessário voltar para casa. Uma decisão complicada para ela, pois há muito tempo acreditava que não precisava mais da ajuda da família. Mas, deixou o orgulho de lado e aceitou a ajuda.

Encontrei sua mãe trabalhando e ela me disse que o marido estava com a filha na igreja, era quinta-feira e estavam na bênção do Santíssimo. Corri para lá e cheguei na hora de dar a bênção. Para mim foi um momento muito importante. Pareceu-me que o Senhor queria algo muito mais profundo para aquela moça, uma bênção na igreja, com o Santíssimo Sacramento e com a presença de alguns irmãos da comunidade.

Depois de guardar o Santíssimo, fui até onde ela estava com o pai e conversamos um pouco. Confesso que, ao invés de dar eu mesmo uma palavra de conforto e de ânimo, presenciei um diálogo entranhado de eternidade. O pai abriu o seu coração e disse do seu amor incondicional à filha. Estava disposto a ajudá-la em tudo o que fosse preciso e reforçou o compromisso de estarem juntos na alegria e na tristeza.

Há momentos em nossas vidas que precisamos deixar de lado as nossas diferenças e valorizar o que nos une. Falar mais do amor que nos concilia e que, na gratuidade, acaba com as feridas que marcaram as nossas almas. Há um ditado que diz: “Se não aprendemos no amor, aprendemos na dor”. E como é verdadeira essa frase. O amor pode tudo, mas a dor também tem o poder de derrubar algumas barreiras e desvendar alguns mistérios.

São Paulo, na carta aos Filipenses, nos ensina que devemos ter “os mesmos sentimentos que existem em Cristo Jesus”. E como é difícil entender isso. É preciso, às vezes, passar pelo sofrimento para poder reconhecer que é mais fácil amar e ser amado, perdoar e receber o perdão, ajudar e deixar ser ajudado. O fim de tantos males está justamente em buscar os mesmos sentimentos de Cristo e aprender com Ele a alegria de viver o amor fraterno.

No dia seguinte, fui novamente, bem cedo, até a casa deles. Dessa vez, atendi a confissão e ministrei a Unção dos Enfermos. Depois, sentamo-nos à mesa para o café da manhã. A conversa foi agradável e cheia de histórias. A vida, mesmo sendo dura, precisa de um pouco de bom humor e de leveza e, é claro, muita fé. A expressão de dor continuava presente no rosto sofrido da minha amiga.

Gosto de pensar que posso chamá-la de amiga, apesar de nos termos conhecido há tão pouco. Mas a amizade se dá na missão do pastoreio. É a ovelha que precisa ser pega no colo para retornar a um lugar seguro e receber os cuidados necessários para a sua cura. Seus pais fizeram isso. E eu cheguei depois, para testemunhar todo esse milagre que o amor pode realizar em nosso meio.

Saí daquela casa com a sensação de que Deus estava sentado conosco naquela mesa. Tomava café com o pão feito ali mesmo naquela cozinha. Só observava a nossa conversa, e, com a Sua mão misericordiosa, suavizava as dores daquela menina. Tirava aos poucos o seu sofrimento e, no meio da nossa conversa, ela disse: “Estou bem melhor das dores”.

Eu não falei nada, mas senti o amor de Deus naquela mesa, com aquela família, comendo aquele pão feito em casa. Falamos sobre coisas sérias, outra hora rimos das histórias do passado, falei do meu dia-a-dia de padre e me despedi. O tempo passa rápido quando estamos felizes. Saí com um pão de presente e o dia continuou para todos nós.

Precisamos fazer a nossa parte, a tarefa de casa em colocar em prática os ensinamentos do evangelho. A cura que Deus nos traz acontece justamente assim em nossas vidas. Sem percebermos, chega de maneira suave e coloca a sua mão sobre nós. Apenas nos sentimos melhores. Os problemas até continuam, a doença ainda está ali, mas, em nosso coração, começa um processo de cura significativo e vai muito além das nossas perspectivas.

Só a fé pode nos proporcionar experiências tão doces, como essa relatada hoje, da presença de Deus em nossas vidas. Traz oportunidades únicas, inclusive de ter a certeza de que nosso café foi marcado pelo toque do Sagrado. É a prova de que, muitas vezes, o Senhor se apresenta suavemente e não em meio de agitações e barulheira. E, assim como Ele estava em nossa mesa hoje, pode também estar na sua. Basta acreditar e deixar Ele agir em sua vida.

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal