Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Ele estava exausto. A dor lancinante já não castigava mais o corpo. Era como se tamanho sofrimento encontrasse o limite entre o real e o imaginário. Já não conseguia mais mensurar o que o corpo seria capaz de suportar. A noite foi longa. Não conseguiu dormir com o corpo coberto de feridas. Tinha momentos em que tudo se apagava. Mas, quando os olhos voltavam a abrir, era como se a realidade fosse ainda mais cruel. Já imaginava o que lhe esperava quando o sol voltasse a brilhar. Humilhação, acusações, gritos e o peso da cruz, abrindo ainda mais a sua carne já dilacerada pela tortura.
Tantos séculos depois desse acontecimento, sua morte de cruz continua sendo causa de discussão, de interpretação ou mesmo de descaso. Talvez nunca saberemos ao certo o que sua mãe viu e sentiu naquela tarde, junto da cruz. Nunca iremos ouvir os gritos do povo preferindo ver solto Barrabás no lugar de Jesus. Nunca sentiremos o medo de Pedro, a ponto de negar o Senhor por três vezes. Mas sabemos bem o que isso significou para a humanidade.
A morte de Jesus na cruz deixou-nos muitos legados. Mas um dos mais expressivos foi a ferida aberta em seu coração. Já estava morto. Minutos antes ainda teve a coragem de perdoar os soldados que ali estavam. Os mesmos que o pregaram naquele madeiro, sortearam entre eles as suas vestes e lhe deram para beber vinagre, no momento em que reclamava de sede. Como explicar a tamanha coragem em dar o perdão aos seus algozes? Será por que também eram eles vítimas de toda aquele espetáculo cruel e desumano? Ou quem sabe nos ensinou que a violência deva ser quebrada com a ternura?
Às vezes, é preciso ultrapassar todos os limites do bom senso para poder entrar na lógica divina de Jesus. O discernimento na hora das decisões, nessa ótica da cruz, passa pela fidelidade ao projeto de reconciliação entre irmãos e o Deus que é o “Pai nosso”. É deixar para traz o que causou a dor, e assim ser possível fazer valer o perdão. É acreditar mais no amor do que na hostilidade e ter o desejo de ultrapassar os sentimentos humanos mais agressivos para dar lugar à reconciliação consigo mesmo e com aquele que o fez sofrer.
A maioria do tempo de cruz, Jesus ficou em silêncio. Exauridas as forças físicas, precisava buscar no ideal do Reino o sentido para tudo aquilo. E, quando também lhe faltou explicação para tamanha hostilidade, e a dureza da dor e do sofrimento falaram mais alto, sentiu-se sozinho no alto daquele monte. Nem o olhar compassivo da sua mãe pôde abrandar a solidão que sentiu, e gritou, usando as últimas forças que lhe restavam: “Meu Deus, por que me abandonastes!”.
Debilitado e sozinho morreu Jesus na cruz. Será esse o final do amor? Será sempre assim o fim daqueles que amam?
Os soldados, apressados em acabar logo com aquele horrendo espetáculo, resolveram quebrar as pernas dos que estavam nas cruzes ao lado. Mas, ao verem a cruz que estava no centro, entre os dois malfeitores, perceberam que não havia ali mais vida. Na dúvida, pois precisavam de uma certeza para tirá-lo da cruz, pegaram uma lança bem afiada e decidiram abrir o seu coração. A que ponto chega a impiedade dos homens e a que ponto chega a bondade de Deus.
Foi assim que conhecemos o Coração do nosso Deus. Em meio à crueldade humana ele se apresentou aberto pela lança do soldado. Abriu-se naquele momento, no entardecer daquele dia, uma porta entre o céu e a terra e que nunca mais se fechou.
Se você quiser encontrar sentido na dor que o mundo lhe impõe, tome coragem e suba ao monte do Calvário. Encontrará uma cruz ainda coberta de sangue e água. Nela poderá colocar o seu coração e ali não encontrará solidão. Não haverá choro. Não sentirá aflições. Apenas deixe-se entrar pela ferida aberta do coração de Cristo. Refaça as suas forças. Retome o seu caminho. Encontre a sua paz.
Numa das aparições do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque, enquanto ela rezava diante do Santíssimo Sacramento, Nosso Senhor lhe aparece com o Coração à mostra e lhe diz: “Eis o Coração que tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-se e consumir-se, para lhes testemunhar seu amor; e por reconhecimento não recebe da maior parte deles senão ingratidões”.
Pode ser que mais do que a dor dos pregos entrando em sua carne, mais do que os insultos e humilhações, mais do que o abandono na cruz, Nosso Senhor sofra ainda com a ingratidão dos amigos aqui neste mundo. “Não vos chamo servos, mas amigos”, disse um dia aos seus discípulos. Por isso deu-nos o seu coração, mesmo que dilacerado, para colocar ali o nosso coração.
“Eis o coração!”. Aproximemo-nos desse lugar sagrado com muito respeito e com muito amor. Deixemo-nos envolver pela ternura do coração do nosso Deus, que, ainda hoje, é um lugar de acolhimento e de cura para cada um de nós. E que o seu Sagrado Coração, fonte ardente de amor, aqueça os nossos corações, por vezes, indiferentes e insensíveis aos apelos do céu.